Se você é eleitor paranaense, precisa conhecer esta história. Em 2015, um projeto pago por um rico empresário foi entregue ao ex-governador Beto Richa para que ele permitisse a instalação de um porto em Pontal do Paraná, no litoral do estado. Para isso, no entanto, seria fundamental rasgar uma importante porção de Mata Atlântica intacta para fazer uma estrada, que levaria até ele. O custo para construir a chamada “Faixa de Infraestrutura” – o conjunto de obras que atenderia ao porto e inclui a estrada – teria custo estimado na casa dos R$ 400 milhões e seria retirado dos cofres públicos, ou seja, dinheiro de todos nós. O lucro ficaria com o dono do porto, o megaempresário João Carlos Ribeiro, conhecida figura no círculo de amigos de Beto Richa.
O atual governador, Ratinho Júnior, decidiu dar continuidade ao altamente contestável projeto de Richa. No dia 3 de fevereiro, depois de vários encontros nos quais Ministério Público, academia, cientistas e sociedade civil buscaram discutir um projeto alternativo de desenvolvimento sustentável, o governo resolveu, arbitrariamente, extinguir o Grupo de Trabalho (GT) que havia criado. Mais de oito meses de estudos técnicos totalmente ignorados.
Para encerrar de maneira triunfante, os representantes do governo Ratinho Jr. resolveram promover uma votação surpresa. Conforme uma prática pouco ortodoxa que já utiliza em outros espaços, não se permitiu nenhuma abertura para agregar ao projeto do governo a infinidade de colaborações aportadas ao longo das reuniões realizadas. Foi evidente a intenção de manipulação de todo esse esforço tão somente para sustentar a posição original defendida pelo governo.
A sala foi preenchida por simpatizantes e supostos empresários de Pontal do Paraná, convidados pelo governo de maneira unilateral, que chegaram com faixas, gritos de protesto e sinais de agressividade. Além disso, servidores públicos saíram de seus postos de trabalho para compor a plateia da peça encenada pela renomeada “Secretaria do Desenvolvimento Sustentável e do Turismo”. Os integrantes do GT ali presentes foram pressionados a votar “sim” ou “não” para o projeto da estrada e seus acessórios projetados pelo porto.
A forma demagógica estabelecida para um posicionamento final dessa comissão não permitiu, portanto, que nenhuma das alternativas técnicas exaustivamente aportadas nos encontros anteriores, visando minimizar o impacto de um melhor acesso a Pontal do Paraná, fosse considerada. O resultado pretendido: um produto midiático, no qual se “aprova” um projeto de uma empresa privada repleto de irregularidades e que seria pago pelo contribuinte. Tudo feito de forma a parecer democrático para vender nas redes sociais e na imprensa a mentira de que o projeto abusivo estaria sendo apoiado pela sociedade.
A farsa da infraestrutura
Há anos, o governo Beto Richa conspira para construir essa estrada e o conjunto de obras previstas pela Faixa de Infraestrutura. Embora não comunique com clareza essa intenção, o governo, além de um porto, pretende instalar em Pontal do Paraná um amplo conjunto de indústrias do ramo petroquímico.
Desde que o ex-governador propositalmente cancelou a “operação retorno”, ou “mão única”, na PR-407, o trânsito piorou muito. O atual governador do Paraná, Ratinho Júnior, cuja fidelidade a Richa (seu ex-chefe) era inquestionável, passou a apresentar a faixa à população como a solução para desafogar a PR-412, principal via de acesso a Pontal. Um “cavalo de Troia”, propagandeado pelo governo.
Na verdade, a proposta dessa estrada impõe um traçado planejado para atender unicamente ao porto e outras indústrias pesadas. Milhares de caminhões transitariam na região diariamente em decorrência disto. As centenas de impactos negativos e prejuízos à população e ao meio ambiente que essa proposta traz constam no próprio Estudo e Relatório de Impactos (EIA/Rima) feito pelo “empreendedor”, sob a “bênção” de Richa.
As terras que receberiam a chamada faixa foram tomadas dos paranaenses entre as décadas de 1940 e 1960. Até mesmo uma CPI sobre esta questão fundiária ocorreu na gestão de Richa. A CPI contava, inclusive, com a participação de membros do atual governo. A lista de ilegalidades, incoerências jurídicas e licenças obtidas de modo irregular já seria suficiente para qualquer cidadão se revoltar. Mais de 330 mil pessoas já enviaram e-mails ao governo por meio do site Salve a Ilha do Mel pedindo uma solução mais responsável para o litoral do estado. Até agora, nenhuma resposta.
O porto que pretendem instalar estaria localizado a poucos metros da Ilha do Mel, uma importante Unidade de Conservação com características únicas no mundo e reconhecida como Patrimônio da Humanidade pela Unesco, mas que carece de incentivos e investimentos públicos para se tornar um destino mundialmente reconhecido em turismo de natureza. Caso a obra seja viabilizada, a atratividade turística e o título da Unesco serão perdidos, levando consigo a esperança de geração de renda sustentável no local.
Por fim, cabe esclarecer que essa empreitada não é apenas causa de “ambientalistas”. Mas, sobretudo, uma causa de cidadãos preocupados com a probidade administrativa e com o bom uso do dinheiro público. É possível construir um projeto de desenvolvimento sustentável e inteligente, que gere empregos para a população local sem o caos social e ambiental pretendido pelo atual governo. É por acreditar nisso que, mesmo após a tentativa do Executivo estadual de propagar fake news e humilhar as instituições presentes, continuaremos questionando todas as ilegalidades de um projeto privado que vai contra o interesse público.
Clóvis Borges é diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS) e conselheiro do Observatório de Justiça e Conservação (OJC).
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