A Floresta com Araucária está de luto e quem perde são os brasileiros. O ecossistema também é conhecido como "mata preta", termo utilizado por alguns historiadores e por populares, em alusão à sombra que os pinheiros produzem sobre as demais árvores: como as copas das araucárias ocupam o topo da floresta, as outras, mais baixas, ficam envoltas em uma atmosfera mais escura. Hoje, a sombra não é mais tão intensa, resultado de uma histórica degradação.
A terra de pinheiros abrangia uma extensa área de mais de 200 mil quilômetros quadrados, que avançava principalmente por planaltos de altitude elevada no Paraná, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul e também em partes da Argentina e do Paraguai. Essas eram as áreas de abrangência predominante da Floresta com Araucária, ecossistema associado ao bioma Mata Atlântica.
A araucária (Araucaria angustifolia), também conhecida como pinheiro-do-Paraná ou pinheiro-brasileiro, é a espécie mais conhecida do ecossistema que leva seu nome, mas há outras espécies de fauna e flora que o compõem. Também fazem parte da biodiversidade da Floresta com Araucária espécies como a erva-mate (que motivou um importante ciclo econômico no Sul); as árvores imbuia e tarumã; o bugio, o serelepe, além das aves gralha-azul e grimpeiro (que tem esse nome por viver nas grimpas dos pinheiros).
A araucária é uma das espécies mais antigas da flora brasileira, mas está tendo dificuldades em resistir aos avanços da fronteira agrícola e urbana, bem como ao ciclo da madeira que se intensificou no Sul do país, a partir das primeiras décadas do século 20. Sua madeira de boa qualidade, leve e sem falhas, foi largamente explorada e estimativas do Ministério do Meio Ambiente indicam que cerca de 100 milhões de pinheiros tenham sido derrubados entre 1930 e 1990.
O resultado foi o quase extermínio da Floresta com Araucária: restam menos de 3% de sua área original. Apesar da imposição de restrições legais ao uso da madeira, ainda são necessárias mais políticas públicas para a conservação e recuperação desse ecossistema. Os seus principais remanescentes estão fragmentados e desconectados, sendo fortemente sujeitos à pressão de áreas de seus entornos.
É imprescindível implementar unidades de conservação para proteger as poucas áreas restantes e criar corredores ecológicos, visando a garantir a interligação dos remanescentes, a manutenção dos fluxos gênicos e a movimentação da fauna. Do contrário, as poucas áreas nativas remanescentes continuarão "ilhadas", o que dificulta a manutenção dos processos ecológicos, como polinização, reprodução e dispersão de sementes.
A araucária está na lista oficial das espécies brasileiras ameaçadas de extinção, mas todo o ecossistema Floresta com Araucária está ameaçado. Se essa árvore acabar, também sumirão diversas espécies que dela dependem, como o papagaio-charão, que se alimenta principalmente da semente da araucária, o pinhão. Também perecerá parte importante do patrimônio cultural e natural do Sul brasileiro: não teremos mais belas paisagens de pinheiros, festas juninas e julinas regadas a pinhão ou mesmo chimarrão de boa qualidade, pois a melhor erva-mate é produzida de forma sombreada no interior dessa floresta.
Podemos evitar a perda dessa riquíssima biodiversidade conservando a Floresta com Araucária, valorizando um ecossistema que está ameaçado e que ainda temos o privilégio de ter no nosso quintal.
Malu Nunes, engenheira florestal e mestre em Conservação, é diretora-executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.
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