Como regra, artigos assinados por Rui Falcão, presidente do PT, no site de seu partido têm tanta relevância quanto discursos corriqueiros em câmaras de vereadores interioranas. Uma exceção é o texto de escassas 231 palavras publicado há poucos dias, que convoca uma insurgência contra o Judiciário. Falcão não emite uma opinião, não mobiliza argumentos, não deflagra um debate. De fato, anuncia uma operação política articulada pelo próprio Lula. Se levada adiante, ela será o maior de todos os erros do ex-presidente.
Lula encontra-se sob investigação. No âmbito da Lava Jato, a Polícia Federal colhe informações sobre imóveis do Edifício Solaris, no Guarujá, inclusive um tríplex reformado pela OAS para o ex-presidente. O Ministério Público de São Paulo convocou-o a prestar depoimento sobre o misterioso caso do sítio em Atibaia, que utiliza como se dele fosse proprietário, reformado por um pool de empresas envolvidas no petrolão. Ele também é investigado no âmbito da Operação Zelotes, que trata de um suposto esquema de compra de medidas provisórias. Na mira do texto de Falcão encontram-se as três investigações, que jamais recebem menção explícita.
“Nunca antes neste país”, escreve o presidente petista, produzindo uma ironia involuntária, “um ex-presidente da República foi tão caluniado, difamado, injuriado e atacado como o companheiro Lula”. Até aí, nada. O trecho que interessa aparece na sequência: “Inconformado com sua aprovação inédita ao deixar o governo, o consórcio entre a oposição reacionária, a mídia monopolizada e setores do aparelho de Estado capturados pela direita quer convertê-lo em vilão”. Como a “oposição reacionária” e a “mídia monopolizada” não têm poder para instaurar inquéritos, o alvo do chamado à militância são os “setores do aparelho de Estado capturados pela direita” — isto é, na deplorável linguagem escolhida pelo lulopetismo, o sistema de Justiça.
O grito de guerra de Falcão parece uma tentativa de intimidação da PF, do MP e do Judiciário
As investigações em curso evidenciaram que Lula recebeu favores extraordinários de grandes empresas condenadas por corrupção em negócios com a Petrobras. A promiscuidade entre o ex-presidente e os empresários corruptos foi tacitamente admitida por Gilberto Carvalho, o principal lugar-tenente de Lula, que qualificou os presentes como “a coisa mais natural do mundo”. No estágio atual, a imagem do segundo “pai dos pobres”, propalado sucessor de Getúlio Vargas, já sofreu ferimentos políticos talvez incuráveis. Mas, na esfera criminal, Lula só será indiciado se emergirem sinais convincentes de que ele atuou para retribuir os favores recebidos, subordinando o interesse público aos interesses dos generosos empresários. Nesse contexto, o grito de guerra de Falcão parece uma tentativa de intimidação da Polícia Federal, do Ministério Público e do Judiciário. Na hipótese de inocência de Lula, é um erro dramático.
Um raio no céu claro? Não. Perto do texto de Falcão, no site do PT, encontra-se a convocação da Frente Brasil Popular para um ato público em defesa de Lula, diante do Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo, em 17 de fevereiro, na hora marcada para o depoimento do ex-presidente. A Frente Brasil Popular é formada por PT, PDT e PCdoB, além de diversas entidades e movimentos sociais, como a CUT, a UNE, o MST e a Associação Juízes pela Democracia. Na convocação, denuncia-se uma “postura golpista e antidemocrática” de “setores do Poder Judiciário”. De fato, o campo político liderado pelo PT está dizendo que investigar Lula é uma ousadia inaceitável. A democracia exige o privilégio, a desigualdade perante a lei – eis a estranha mensagem veiculada pelo lulopetismo (e, curiosamente, por “juízes pela democracia” engajados numa mobilização partidária contra o Judiciário).
Um compêndio sintético dos erros de Lula exigiria um pequeno livro. Contudo, até hoje, a lista não abrange um ataque direto às instituições da democracia. No seu ativo, o ex-presidente tem o respeito ao princípio da alternância no poder, sedimentado pela decisão de virar as costas ao movimento continuísta ensaiado entre correntes do PT. Tem, ademais, apesar de inúmeras hesitações, o reconhecimento das prerrogativas do Judiciário, expresso nas suas declarações, à época do mensalão, de que “os companheiros que erraram devem responder por seus erros”. A operação política anunciada por Falcão e pela Frente Brasil Popular, que não existiria sem a concorrência do próprio Lula, representará uma ruptura histórica.
José Dirceu, José Genoino et caterva ergueram o punho para declararem-se presos políticos na hora da execução de suas sentenças de prisão. Lula, porém, exercitou a prudência, afastando-se sabiamente das manifestações dos seus. Preservou, com isso, o fio que conecta o PT à democracia. Todos podem apontar, justificadamente, as pequenas rebeliões petistas contra o sistema de Justiça. Ninguém, contudo, tem o direito legítimo de atribuí-las ao núcleo dirigente do lulopetismo, que só opera com o aval de Lula. A distinção não tem importância para as vozes extremistas que pregam o banimento do PT, mas é crucial para a maioria moderada da opinião pública. É ela que, agora, está em jogo.
No ato diante do fórum da Barra Funda, os militantes organizam-se para ecoar a palavra de ordem “Lula é meu amigo; mexeu com Lula, mexeu comigo!” O PT está, inadvertidamente, oferecendo uma perigosa sugestão. Será que Falcão usará a palavra “golpismo” se Eduardo Cunha aparecer com uma chusma de apoiadores iracundos para intimidar policiais, procuradores e juízes num futuro depoimento como investigado?
Numa democracia digna desse nome, o cidadão Lula da Silva não possui direitos especiais, superiores ao do cidadão Cunha ou de qualquer anônimo. O cerco de um fórum por milicianos, mesmo se desarmados, equivale a dizer que a lei é propriedade de quem tem as ruas. Lula parece esquecer-se disso. Os demais brasileiros lembrarão.
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