Um amigo me perguntou: "Se você tivesse de passar uma década em uma ilha deserta antes de voltar à civilização e tivesse de escolher um único livro para lhe fazer companhia, qual livro seria?". Embora a escolha seja cruel, eu não tenho dúvida: escolheria Ação Humana, obra de Ludwig von Mises, publicada em 1949, com quase mil páginas, e que somente em 1990 foi traduzida para o português.
O amigo perguntou-me a razão pela qual eu escolheria esse livro e não outro. A razão é simples. Embora traga grafado o subtítulo de Um Tratado de Economia, em Ação Humana o autor trata das três ciências (ou doutrinas) que mais me apaixonam: a Filosofia, a Psicologia e a Economia.
A obra é tão maravilhosa que mereceu de Rose Wilder Lane, americana nascida em 1886 e falecida em 1968, tida como uma das maiores intelectuais de seu tempo no campo da política e da sociologia, um comentário jubiloso. "Eu penso que Ação Humana é indubitavelmente o produto mais poderoso da mente humana de nosso tempo, e acredito que ele irá mudar a vida dos homens para melhor durante os próximos séculos, tão profundamente quanto o marxismo mudou nossas vidas para pior neste século", disse ela logo após o lançamento do livro.
O desconhecimento desse livro nos cursos de Economia, Sociologia e Filosofia é incompreensível e eu nunca entendi a razão pela qual ele levou 41 anos depois de lançado em inglês para ser traduzido para o português. E sua tradução e publicação no Brasil, em 1990, somente foi possível ao esforço sobre-humano de um homem curioso: Donald Stewart, um empreiteiro, amante da economia e do liberalismo clássico, colecionador de livros, que estudou inglês apenas para poder ler as grandes obras que ninguém se interessou em traduzir para nossa língua.
Fiquei tão encantado com esse livro que comprei dois exemplares logo após sua publicação por aqui e nunca mais vi um único volume sequer, como também nunca encontrei alguém que tivesse lido a obra. Trata-se dessas coisas que não comportam compreensão nem explicação. Ou seja, o livro que para mim é o maior é completamente ignorado no Brasil. Ou pelo menos era até hoje...
Fui tomado de surpresa ao deparar-me em algumas livrarias com o livro reeditado, capa nova, miolo mais bonito, fonte agradável de ler, esperando que outros descubram que ali está o livro que eu escolheria caso tivesse uma única opção. Segundo Ludwig von Mises, "ação humana é comportamento propositado; é a vontade posta em funcionamento, transformada em força motriz; é o uso de meios para atingir fins, quaisquer que tenham sido os fins escolhidos".
Mais adiante, ele afirma que "o campo da ciência econômica é a ação humana e não os eventos psicológicos que determinam a ação. As razões por que o homem age de uma forma e não de outra é tarefa da psicologia explicar". Assim, Mises transita pela filosofia, pela psicologia, pela sociologia e pela política... e de uma maneira bela e profunda oferece uma das melhores análises sobre a economia, o homem e a sociedade.
Dado seu apreço pela liberdade e pelos direitos individuais, os marxistas não estão entre os que apreciam as teses de Mises. Mas mesmo eles teriam um ganho enorme se lessem Ação Humana. Ou entenderiam melhor suas próprias teorias, ou as abandonariam e adotariam outras, o que não é nenhum demérito, pois a verdade não é patrimônio de ninguém. No mundo moderno, algumas teses de Mises precisam de ajustes. Afinal, seu livro foi escrito na década de 1940. Mas continua sendo uma obra-prima.
José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.