A reação negativa das autoridades públicas frente à veracidade dos dados divulgados demonstra que o processo de redemocratização do país ainda encontra enormes desafios
A divulgação do último levantamento do Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros (1998-2008), sob orientação do sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, aponta o descalabro do sistema de segurança pública na maioria dos estados e cidades e coloca o Paraná na dianteira do triste e abominável espetáculo de homicídios de jovens e adultos.
Nos últimos dez anos, o Paraná saltou do 14.º para o 9.º lugar no ranking dos estados brasileiros com o maior número de homicídios entre a população adulta. A cidade de Foz do Iguaçu colecionou, em termos proporcionais, o título de cidade brasileira com o maior número de jovens assassinados. A situação de Curitiba não foi diferente. A capital paranaense saiu do 18.º para assumir o 5.º lugar entre as capitais que lideram os índices de homicídios de jovens no país. A evolução dos atos de violência e morte, fornecidos pelo Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde, chocam e desconcertam a opinião pública, além de expor a crise do modelo de funcionamento da segurança pública no Estado.
A reação negativa das autoridades públicas frente à veracidade dos dados divulgados demonstra que o processo de redemocratização política do país ainda encontra enormes desafios, no sentido de imprimir transparência às ações do Estado e de superar o autoritarismo político das elites políticas e altos burocratas que ocupam funções dirigentes. Por isso, a sociedade precisa, através dos movimentos sociais e entidades representativas, intensificar a luta em defesa da desprivatização dos aparelhos estatais. O controle social mais próximo sobre os órgãos e atividades de repressão criminal é uma maneira de impedir que homens públicos inescrupulosos, burocratas arrogantes e bem remunerados permaneçam em suas salas climatizadas e, do alto de suas poltronas, dirijam-se à população para repetir sempre mais do mesmo. Ou seja, rebater e contestar, com bravatas, a progressão dos números da violência, isto é, de destruição sangrenta de vidas humanas e exposição de bairros inteiros a um processo de etiquetamento sem fim.
Numa sociedade democrática, igualitária e pacífica, a realização de pesquisas acadêmicas em torno da violência serve de alerta às autoridades públicas. Cabe, portanto, aos altos dirigentes de Estado responsáveis pela segurança da população, refletir e adotar medidas políticas capazes de reverter o núcleo das causas sociais que gera instabilidade urbana e reproduz atos insuportáveis de agressão, morte, medo e insegurança. A escalada de agressões e mortes em diversos municípios brasileiros exige maior compromisso, transparência funcional e diálogo da cúpula política, responsável pela segurança pública, com todos os setores da sociedade civil organizada.
A grave posição do nosso estado nas estatísticas que interceptam vidas de jovens e adultos brasileiros aponta a urgente necessidade de os aparelhos de repressão e controle admitirem a gravidade do momento e repensarem maneiras mais eficazes de atuação. Afinal, a utilização de discursos populistas e a arrogância burocrática, como técnica de desqualificar e por em xeque verdades acadêmicas não autorizadas pelo Estado, mostrou-se historicamente mais conveniente a governos despóticos, corruptos e autoritários. Hoje esse tipo de atitude já não serve para calar a crítica e, tampouco, contribui para resolver as necessidades e direitos constitucionais básicos que o povo atribuiu às instituições de repressão e controle do Estado, com o propósito de prevenir a violência, cuidar e proteger a vida.
Cezar Bueno, doutor em Sociologia, é professor da PUCPR.
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