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O novo Marco Legal do Transporte Público Coletivo, que está tramitando no Congresso Nacional, é uma grande oportunidade para evoluirmos a mobilidade urbana no Brasil. Temos perdido usuários a cada ano e cabe a nós, que fazemos parte desse ecossistema, reconquistá-los. Um estudo realizado pela Universidade de São Paulo (USP) mostrou que, só na capital paulista, o transporte público coletivo perdeu 30% dos seus passageiros nos últimos 10 anos, o que representa quase 1/3 dos usuários. Em 2013, o sistema transportou 2,9 bilhões de usuários, número que caiu para 2,04 bilhões em 2022. No mesmo período, a população da cidade aumentou 3,2%, de 11,8 bilhões de pessoas para 12,2 bilhões.
Em todo o Brasil, entre 2019 e 2022, houve uma redução de 24,4% dos passageiros de ônibus (principal meio de transporte público do país), com perda de 8 milhões de viagens por dia: em 2019 eram 33 milhões de viagens, número que caiu para 25 milhões. Esses são dados da Confederação Nacional do Transporte (CNT), que realizou uma grande pesquisa com as empresas operadoras de ônibus no país.
A mobilidade urbana no Brasil precisa de transformação e é com esperança que vemos esse debate público tão necessário finalmente acontecer.
A redução da atratividade do transporte coletivo em favor do transporte individual contribui para o caos urbano e a consequente diminuição da qualidade de vida da população. Horas perdidas em congestionamentos, acidentes, aumento do estresse e significativo impacto na saúde mental são algumas das consequências, além, obviamente, dos impactos das emissões no clima e nas doenças respiratórias.
Garantir que as pessoas continuem tendo esse meio de locomoção à disposição e com qualidade está em conformidade com alguns dos princípios fundamentais do marco legal do transporte apresentados no texto do projeto de lei, como a universalização do acesso, a prevalência do interesse público, a equidade no uso do solo, bem como a qualidade do serviço prestado à população, com cortesia, segurança, eficiência, regularidade e continuidade .
Muito importante ainda é a abordagem sobre a sustentabilidade econômico-financeira das operações do transporte coletivo, através da contribuição efetiva do poder concedente no sentido de complementar a tarifa social e ter maiores possibilidades de geração de receita, através de múltiplos mecanismos de arrecadação e obrigatoriedade de destinação de recursos oriundos, por exemplo, de taxas de congestionamento, taxas de uso da infraestrutura viária e outras, ao custeio da infraestrutura e operação do sistema.
Esperamos que estes recursos sejam também utilizados para melhoria significativa da infraestrutura que contribuam para a melhoria na qualidade dos serviços, tais como: manutenção do sistema viário (dedicado), priorização semafórica para ônibus, dentre outros, que impactam diretamente no conforto e previsibilidade, temas essenciais para o aumento da atratividade do transporte coletivo, além, é claro, da tarifa acessível e política de integrações.
A participação ativa do governo federal é louvável e será cada vez mais importante, não só na liberação de recursos para investimentos, mas também para custeio, ampliando a democratização do acesso ao transporte coletivo para aqueles mais necessitados, cuja tarifa é barreira de acesso à componentes elementares da cidadania. Uma ação de curto prazo é a criação de uma linha de crédito específica através do BNDES para aceleração da modernização dos sistemas, incluindo não somente veículos, mas toda a cadeia de fornecimento, incluindo sistemas de monitoramentos, bilhetagem, segurança, além de outros tão necessários a garantir a eficiência e a governança, além de prestigiar a indústria nacional (que se diga de passagem, é referência mundial), como previsto no marco regulatório do transporte coletivo.
É importante lembrar, ainda, que parte da população não tem nem mesmo acesso a qualquer tipo de transporte. Devido às seguidas elevações dos preços das passagens do transporte público coletivo, muitas pessoas deixaram de ter condição financeira para se locomover dentro das cidades. Diante dessa situação, o marco legal também se mostra positivo quando prevê, entre os princípios, a “sustentabilidade ambiental, social e econômica” e a “modicidade da tarifa para o usuário”, além de operações de transporte coletivo sob demanda e outras medidas para viabilizar linhas sociais de forma a atender, mais uma vez, com equidade, todos os cidadãos.
Vale também mencionar o tema da governança, cuja transparência é pilar fundamental. Com a inevitável participação do Estado no financiamento e custeio dos investimentos e operações, há que se ter confiabilidade no estabelecimento, monitoramento e gestão dos indicadores, de forma a que se garanta a mais eficiente aplicação dos recursos, bem como garantir aos operadores uma remuneração justa, de forma confiável, que lhes permita manter a saúde dos seus negócios e consequente preservação da qualidade dos serviços. Nesta esteira, é também muito importante a segurança jurídica dos contratos de concessão.
A modernização de tecnologias embarcadas oferece mais agilidade, praticidade e conforto para a população, como já vimos na adoção da bilhetagem eletrônica em grande parte do Brasil e as muitas possibilidades de meios de pagamento. Mas, é muito mais do que isso. É trazer para o dia a dia das pessoas todo o potencial dos avanços tecnológicos, da conexão 5G e até da Inteligência Artificial, de forma simples e acessível.
A mobilidade urbana no Brasil precisa de transformação e é com esperança que vemos esse debate público – tão necessário – finalmente acontecer por meio do marco do transporte coletivo. É responsabilidade de todos nós, como fabricantes de tecnologia, veículos, operadores, gestores públicos convergirmos e colocarmos nosso conhecimento em prol do todo. Assim, todos sairemos ganhadores.
Fábio Ferreira, graduado em engenharia de telecomunicações, pós-graduado em Administração, Tecnologia e Transformação Digital, é CEO da Empresa 1.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos