Enquanto os doutos juristas, psicólogos e cientistas sociais se embrenham nos meandros da metafísica para discutir as causas da criminalidade; e os cartolas comemoram alegremente a liberação de recursos para concluir as obras dos Jogos Panamericanos que já consumiram R$ 3 bilhões, João Hélio e outros meninos de suas mães morrem e apodrecem em uma guerra urbana não declarada e cada dia mais selvagem. Há algum tempo, foi um menino de 5 anos, em Bragança Paulista, queimado vivo dentro de um carro por bandidos. Agora é a selvageria do Rio.
Até quando o país assistirá perplexo essa escalada da barbárie sob os olhares complacentes de nossa elite governante sempre pronta a aliviar o rigor das leis que punem os criminosos em nome de piedosas teorias humanistas apresentadas com ares de verdade científica? Ou será que alguém acredita na existência de uma lei biológica que determine que aos 17 anos e 364 dias de vida um indivíduo tem menos capacidade de compreensão de seus atos que outro que tenha vivido 24 horas a mais? Ou ainda que alguém negue que a certeza da punição tem efeito dissuasório e amedrontador para os que não têm ou não utilizam a razão, aquele conjunto de leis imperecíveis que distinguem entre o bem e o mal? Pessoas de espírito superior não arrastam uma criança por sete quilômetros nem queimam viva outra porque "a lei dos homens pune" e sim porque sua própria razão não deixa. Mas para "pessoas" que não ultrapassaram o patamar da bestialidade, é sim a lei humana que irá dissuadir e refrear. Portanto, vamos parar de tratar essa questão do crime no Brasil com "certezas" pseudocientíficas, pois a vida de inocentes como João Hélio não pode esperar pelo aperfeiçoamento ético e moral do conjunto da população. Uma sociedade que não é capaz de garantir o direito basilar, elementar, primário de uma criança não morrer como morreu João Hélio não tem o direito de utilizar a população indefesa como cobaia para testar as crenças teóricas de seus doutores.
Está também mais do que na hora de parar de encontrar razões de pseudo-sensatez para o imobilismo e a inércia. A cada crime que reacende a indignação da população, a imprensa está repleta de doutos alertas a respeito da inconveniência de se legislar sob o domínio da emoção. Mas infelizmente são a emoção e a indignação que conferem senso de urgência aos legisladores. Ou já nos esquecemos de que há vários anos se renovam promessas de se agir mais eficazmente para coibir o crime e os criminosos cada vez que há um surto de violência no país sem que nada seja feito? E que o assunto é rapidamente esquecido logo que sai das manchetes?
De minha parte, não estou perplexo; estou é enojado com tanta insensibilidade com essa tragédia nacional de qual ninguém está livre, nem um pobre menino que foi conhecer a casa nova que o pai comprou; nem outro, queimado vivo por facínoras. Estou enojado com gente que joga R$ 3 bilhões em instalações esportivas de primeiríssimo mundo, mas não consegue encontrar algumas dezenas ou centenas de milhões para investir na educação, na segurança, na qualificação profissional da população. Enojado com a facilidade com que nossa "intelligentsia" esquece de que as leis existem para frear os instintos e punir as condutas que ameaçam a vida humana em associação e não para ser esgrimidas em favor de nossas crenças e nossos interesses pessoais.
Quando o chefão da máfia novaiorquina John Gotti reclamou ao juiz das execuções penais de que seus direitos humanos estariam sendo desrespeitados pelo rigor disciplinar da prisão de segurança máxima em que se encontrava, o magistrado lhe respondeu: "Mr. Gotti: considero meu dever transformar sua vida na mais miserável possível, dentro dos limites da lei". Mister Gotti, que como chefe da Cosa Nostra mandou matar dezenas de pessoas com requintes de crueldade, não teve direito ao regime semi-aberto ou aberto após cumprir um sexto da pena a que foi condenado. Nem de sair da prisão depois de três anos de medidas socioeducativas. Apodreceu na cadeia. Como merecia.
Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do mestrado em Organizações e Desenvolvimento da FAE Business School.
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