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O menino, o tigre e a tragédia de Cascavel

Todos nos consternamos com a notícia do menino de 11 anos que, na cidade de Cascavel, foi atacado por um tigre e perdeu o braço direito. Essa tragédia pessoal marcará para sempre uma família que, mesmo com o passar do tempo, não terá nem o benefício do esquecimento, pois a marca da mutilação a acompanhará inexoravelmente, necessitando de muita força para não ser alcançada por traumas emocionais. De quem a culpa? Existem responsáveis diretos, entre os quais o que devia cuidar e não cuidou da criança, e a direção do zoológico, que falhou no zelo de fechar o espaço para impedir aproximação humana. Mas existem responsabilidades indiretas. Neste caso, todos os que não exigimos mudanças somos corresponsáveis, especialmente o poder público, que mantém estruturas de confinamento de animais selvagens, os zoológicos, hoje inteiramente dispensáveis.

Episódios como esse deveriam nos convencer de que não precisamos desses confinamentos. Por que mantemos animais selvagens em cativeiro? Se é para exibi-los, conhecê-los ou admirá-los, temos meios muito melhores com a tecnologia da mídia, em reportagens educativas que a televisão nos oferece, com muito mais riqueza de detalhes.

Confinar animais em jaulas podia até se justificar em tempos que vão longe, em séculos passados, quando não tínhamos a consciência que hoje anima o ser humano, do sofrimento infligido ao animal privado de sua liberdade. Naquele tempo não existiam os meios de comunicação de que a sociedade dispõe, com a tecnologia de imagem e som. Hoje temos profissionais nesse campo, indo ao mais remoto mundo selvagem, captando cenas do ambiente original para vermos os animais na plenitude de sua vida, mostrando-os às nossas crianças, o que atende muito melhor ao saudável interesse de conhecer do que vê-los atrás de grades, nesse espetáculo deprimente atentatório à natureza que, bem considerado, é deseducativo, pois mostra o nosso desrespeito para com esses irmãos do reino animal.

A sociedade já se mobilizou com êxito para acabar com a exploração dos animais em circos, objetivo alcançado com a Lei Federal 10.220. Já é tempo de repetir a mobilização para acabar com esse despropósito de enjaular animais.

As primeiras notícias diziam que o tigre que esfacelou o braço do menino seria afastado e mantido em isolamento por 15 dias (depois, recuaram da decisão). Por quê? Para dar alguma satisfação à comunidade humana? Ou a administração do zoológico esperava que o animal tomasse consciência de que não poderia ter feito o que fez? Num ou noutro caso, o chefe do zoológico erraria, pois o animal não cometeu qualquer erro. Agiu nos estritos termos de sua condição: reagiu naturalmente à invasão do seu espaço. A censura deve recair sobre a pessoa diretamente responsável pela criança e sobre a administração do local que, descuidada com as grades, possibilitou a aproximação do menino.

Do ponto de vista processual penal, o pai, desde que não tenha agido com dolo, o que é inimaginável, está isento de pena, mesmo agindo negligentemente, conforme prevê nossa lei, porque o sofrimento que carregará por toda a vida é muito maior do que a pena que poderia receber do juiz, se denunciado por crime de lesão corporal, como anuncia o delegado de polícia.

Não fosse suficiente o sofrimento a que submetemos o animal confinado, mutilando-o na sua natureza para servir à curiosidade inútil, é de se perguntar: quanto custa manter animais enjaulados? Quantas creches e escolas poderiam ser erguidas com esses recursos tão mal aplicados? É sabido que as administrações municipais não conseguem atender toda a demanda de creches e escolas, sem falar de outras necessidades também desatendidas. Seria mais útil cuidarmos melhor da rede de proteção infantil, acolhendo as crianças ainda sem creche, do que confinarmos animais em zoológicos.

Se de todo mal podemos extrair lições para o bem, que essa tragédia de Cascavel nos sirva de orientação para acabarmos com o confinamento de animais selvagens. Não precisamos desse mal.

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