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O mercado de trabalho e as mulheres lactantes invisibilizadas

(Foto: Bigstock)

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“Estou amamentando e tenho de voltar a trabalhar?”
“Até quando a mãe é considerada lactante?”
“Como funciona o atestado de amamentação?”

Comecemos com o seguinte questionamento: a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que todo e qualquer bebê seja exclusivamente amamentado até os seis meses. Se na maioria dos casos a licença-maternidade tem um período máximo de quatro meses, como amamentar com leite materno exclusivo até os seis meses, considerando que um bebê mama, em média, de três em três horas? Sim, a conta não fecha.

E tem mais: também rondam a mulher a saudade do filho recém-chegado ao mundo, a culpa materna pelas horas passadas longe dele, e o distanciamento ou inexistência de uma rede de apoio, principalmente na pandemia. Relembro sempre de uma vez em que me parabenizaram quando contei que, mesmo com todas as dificuldades e privações, seguíamos firmes e fortes na exclusividade do leite materno. Chorei quando recebi essas palavras. Chorei porque é exaustivo, mesmo sabendo de todos os benefícios.

Acham que é um script básico do maternar: engravidar, parir, amamentar. Mas a verdade é que não é bem assim. O caminho apresenta muitos entraves e desgastes para a mulher mãe. No Brasil e no mundo, o desmame precoce é recorrente na maioria da população e, sem dúvida nenhuma, isso acontece muito pela falta de conhecimento, mas também pela falta de apoio de quem nos cerca no maternar. Por isso, sempre que posso levanto a bandeira: amamentar é, sim, um ato político.

Basta uma pesquisa rápida no Google para perceber o desamparo a que estão sujeitas mulheres mães que amamentam. Por lei, lactantes que trabalham têm direito, nos primeiros seis meses, a duas pausas de meia hora cada uma para amamentar, ou direito a sair uma hora mais cedo do trabalho – além da licença-maternidade usual de 120 dias.

Por mais que os benefícios da amamentação sejam evidentes, o amparo oferecido dentro das empresas a mulheres mães ainda é escasso. As ações, muitas vezes, são pontuais e não fazem parte de uma cultura organizacional que, de fato, proporcione mudanças. As salas de amamentação são um bom exemplo. É uma iniciativa essencial, logicamente, para a acolhida dessa lactante, mas como ação única não garante que a mulher esteja segura e confortável. Explico: a volta ao trabalho pode ser – e normalmente é – uma fase bastante hostil para quem acabou de parir. Não só pela pressão por performance, típica do mercado, mas também pelo medo. De perder o emprego, de não conseguir galgar degraus na carreira, de ficar para trás. O medo é justificado: segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), metade das mulheres perdem o emprego até 24 meses depois de sair de licença-maternidade. É ou não é, pergunto, motivo suficiente de preocupação?

Para entender em completude o cenário da mulher lactante, dou um passo para trás. Antes de qualquer coisa, é imprescindível que a maternidade comece a ser vista de outro jeito pelo poder público e pela iniciativa privada. Gerar, dar à luz e cuidar de uma criança é um trabalho não remunerado que beneficia todo o corpo social. Uma frase espalhada pela internet define com precisão a visão reducionista – e paradoxal – que há sobre nós, mulheres mães: “Trabalhar como se não tivessem filhos, criar os filhos como se não trabalhassem”. Acontece que, ao cuidar de crianças, estamos prestando um serviço essencial à humanidade. “Para que a roda do mundo continue a girar do lado de fora das casas, é preciso que alguém trabalhe arduamente dentro das casas”, leio em Ana Castro, jornalista, escritora e cofundadora do coletivo Política é a Mãe.

Voltemos à amamentação. De acordo com um estudo publicado em 2016 pela Fiocruz, se a recomendação de amamentação para a maioria das crianças fosse praticada, cerca de 800 mil mortes de crianças menores de 5 anos teriam sido evitadas. E a importância do aleitamento materno vai além de apenas – o que, por si só, já deveria ser suficiente – qualquer expectativa sobre saúde. Seus benefícios se inserem em um contexto mais amplo, biopsicossocial e de saúde pública. Quando uma mulher amamenta um bebê, o vínculo criado e nutrido influencia de maneira positiva na formação da personalidade daquele indivíduo. Fica mais fácil entender, portanto, como todo um corpo social é beneficiado quando o maternar é acolhido, sustentado, incentivado, não fica?

Há um case de que gosto muito e que demonstra a importância de trazer para a conversa os grupos invisibilizados pelas políticas públicas e privadas. Na RD Station, as mudanças foram orquestradas pelas profissionais que maternam. Em 2018, o que começou com o pedido por uma sala de amamentação se transformou no RD Moms. Hoje, mais do que ações pontuais, o núcleo preza pelo acompanhamento integral de mulheres mães – da gestação ao puerpério e no posterior acompanhamento das pautas maternas.

Ao colocar as mães no centro da discussão sobre mudanças estruturais, a chance de que sejam de fato transformações efetivas é muito maior. Que fique claro: tais salas, sozinhas, não são suficientes. É importantíssimo que outras ações se estendam nesse processo. Amamentar, ao contrário do que muita gente pensa e defende, não é um processo natural e intuitivo. Para que mulheres amamentem com tranquilidade, precisamos de uma rede de apoio, informação e proteção. E isso só acontecerá quando cada um dos agentes sociais se conscientizar sobre suas responsabilidades compartilhadas nessa prática de cuidado humano.

Mariana Achutti é fundadora e CEO da SPUTNiK.

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