Desde que toda a controvérsia sobre o voto auditável foi levantada pelo Poder Executivo, pulularam manifestações sobre a atual situação do país. O que começou com base numa celeuma puramente eleitoral acabou ganhando contornos institucionais e reverberando no mercado financeiro. Prova disso foi o lançamento do “Manifesto Eleições Serão Respeitadas”, que contou com a assinatura de nomes importantes do empresariado brasileiro, tais como Luiza e Frederico Trajano (Magazine Luiza), Jayme Garfinkel (Porto Seguro), Guilherme Leal (Natura), Horácio Lafer Piva (Klabin), Carlos Jereissati Filho (Jeressaiti), Pedro Moreira Salles e Roberto Setubal (Banco Itaú).
Essa movimentação do empresariado foi lida por especialistas como o início de um processo silencioso de desembarque do governo que levaria inevitavelmente a um processo de desgaste que prejudicaria a corrida eleitoral em 2022.
Apesar da tentação constante de abraçarmos leituras simplistas da realidade e de incorrer no erro de criar grupos antagônicos de acordo com a conveniência política do momento, é preciso que entendamos de uma vez por todas o que é o mercado financeiro e como ele funciona.
As pessoas cometem com frequência o erro comum em confundir o setor produtivo com o mercado financeiro, pois muitas vezes eles se misturam. O primeiro se caracteriza pelas atividades econômicas desenvolvidas no país e geralmente é dividido em três grupos: setor primário, setor secundário e setor terciário. O segundo, por sua vez, refere-se apenas ao mercado abstrato que comercializa a propriedade de empresas do setor produtivo. Nesse nicho, as pessoas compram e vendem ações que representam uma fração da propriedade dessas empresas.
O mercado financeiro não tem lado e não possui afiliação política. Na verdade, ele não é sequer uma entidade, mas sim apenas um sistema por meio do qual ativos financeiros são negociados. Prova disso é que os operadores do mercado financeiro podem ganhar na baixa ou na alta, independentemente da temperatura política. A preocupação de quem opera o mercado financeiro é sempre obter bons resultados, independentemente da situação – aliás, tempos de crise podem ser fortes sinalizadores de compra de ações de empresas com bom fundamento.
Por outro lado, o setor produtivo é afetado mais diretamente pelo clima político do país, pois esse grupo corresponde ao empresariado que está sujeito às políticas fiscais, monetárias, tributárias e trabalhistas do governo da vez. Por isso, na pauta do dia do setor produtivo estão sempre a estabilidade, a segurança jurídica e a mínima intervenção do governo na economia.
Diferentemente do mercado financeiro, onde os players não têm rosto, no setor produtivo os empresários possuem não apenas rosto, mas também preferências temporais, convicções, opiniões e posicionamentos políticos – geralmente mais aliados com sua visão de mundo e natureza do setor.
O manifesto mencionado no início tem relação com as variáveis de estabilidade institucional, mas é importante notar o componente de preferência política. No mesmo sentido, o manifesto de empresários de Minas Gerais, divulgado pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), no qual foram tecidas críticas ao Poder Judiciário, também esboça a preferência política de um outro segmento do empresariado.
A manifestação de setores diferentes do empresariado a respeito do governo não indica um embarque e nem um desembarque do governo, mas apenas que agentes do setor produtivo têm opiniões diferentes a respeitos de fatos políticos idênticos.
Allan Augusto Gallo Antonio, formado em Direito e mestre em Economia e Mercados, é analista do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica.
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