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As relações entre economia e política são íntimas e, quase sempre, complexas em seus desdobramentos. O candidato Jair Bolsonaro apresentou-se ao eleitorado com o rótulo de liberal. Rótulo? Sim, isso mesmo. Em sua trajetória parlamentar, como deputado, Bolsonaro sempre foi corporativista, intervencionista e estatizante. Mas, nas eleições e no início do governo, Paulo Guedes afiançou a conversão do então candidato às teses e ideias liberais, bem como a busca por reformas (administrativa e tributária, por exemplo) e a manutenção da responsabilidade fiscal e do teto dos gastos.
As últimas sinalizações foram assaz negativas e, mais uma vez, Paulo Guedes, outrora superministro, cala-se diante da vontade política e eleitoral de seu presidente e das pressões do Centrão.
Nos últimos dias, a situação desta relação entre economia e política apresentou um capítulo de tensão. Em 2022 haverá, novamente, eleições. Políticos gostam – e muito – de gastar em ano eleitoral, especialmente quando o gasto é revertido em melhora de sua aprovação e, com isso, traz facilidades na campanha, agradando setores da sociedade. As notícias oriundas do Planalto deixaram o mercado atiçado, para dizer o mínimo. O governo Bolsonaro quer turbinar o Bolsa Família, mudando obviamente o seu nome para consolidar uma marca própria. Além disso, foram anunciados auxílios para os caminhoneiros, que ameaçavam o governo com uma grande paralisação.
Assim, no campo político foram trazidas ao público as novas medidas que implicam em gastos, mas sem a indicação da origem das receitas, ou seja, de onde sairá o dinheiro. Some-se a isso o fato de que, em 21 de outubro, membros da equipe econômica de Paulo Guedes debandaram, segundo se noticia, por causa da guinada populista da política econômica, que põe em risco os já aludidos teto dos gastos e a responsabilidade fiscal e, com isso, a própria estabilidade da economia. Desta forma, a política emite sinais e a economia os capta e avalia: são positivos ou negativos? As últimas sinalizações foram assaz negativas e, mais uma vez, Paulo Guedes, outrora superministro, cala-se diante da vontade política e eleitoral de seu presidente e das pressões do Centrão (que também querem gastar como se não houvesse amanhã).
Em sua live semanal, Bolsonaro afirmou que Guedes fica e que o “mercado fica nervosinho” com a criação de despesas que podem ameaçar o teto de gastos. Em verdade, o mercado “nervosinho” consubstancia-se numa crise de confiança, o que leva à pergunta feita agora em 2022: onde estão o liberalismo, a responsabilidade fiscal e as reformas tão prometidas e ainda não entregues?
Rodrigo Augusto Prando, graduado em Ciências Sociais, mestre e doutor em Sociologia, é professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie.