O trust, antes restrito a seleto grupo de investidores internacionais, na última semana adentrou a casa de milhões de brasileiros que se perguntam: que milagre é esse que proporcionaria a uma pessoa a manutenção de contas no exterior, utilizadas inclusive para pagamento de despesas pessoais e, ao mesmo tempo, a sustentação para as autoridades brasileiras de que não possui uma única conta bancária no exterior?
Antes da resposta, vamos fazer a devida apresentação do nosso ilustre visitante, o trust: é uma entidade que tem origem nos países de tradição anglo-saxônica, nasce através de contrato específico, onde o proprietário (outorgante ou settlor) de determinado patrimônio (res) registra a transferência da sua propriedade para um terceiro (trustee), que irá administrá-la de acordo com instruções previamente fixadas no mesmo contrato e em favor de determinada causa ou de determinado beneficiário, que pode ser o próprio settlor (cestui que trust ou beneficial owners).
Como muitas das instituições e conceitos de tradição anglo-saxônica explicam-se unicamente pela história, diz-se que a origem do trust remonta à idade média, quando os cavaleiros cruzados partiam com destino ao oriente para proteger os peregrinos cristãos que viajavam à Terra Santa. O perigo constante e o retorno incerto fez com que muitos desses cavaleiros entregassem as suas propriedades a pessoas de confiança para que administrassem os mesmos e garantissem o sustento das suas famílias.
O ordenamento jurídico brasileiro não contempla expressamente o trust, até porque o nosso direito tem tradição romanística (civil law ou fontes do direito provenientes da lei) e essa característica impossibilita uma inserção adequada do instituto do trust, fundado no direito inglês (common law ou fontes do direito provenientes dos usos, costumes ou da jurisprudência).
Os países que adotam o civil law não admitem o trust dentro do seu ordenamento, no entanto, muitos deles regulam os efeitos dos trusts estrangeiros através da ratificação da Convenção de Haia sobre Trusts ou pela flexibilização interna da sua legislação; o Brasil ainda não tem qualquer iniciativa nesse sentido.
Em que pese essa limitação do nosso ordenamento jurídico, os trusts estrangeiros, constituídos e declarados regularmente, são uma importante ferramenta de wealth management de brasileiros, que cada vez mais se utilizam desses contratos para maximizar os resultados da gestão do patrimônio pessoal ou para o seu planejamento sucessório (proteger os herdeiros da inexperiência na área de gestão do patrimônio ou da excessiva carga tributária da jurisdição onde estiverem os bens no momento da sua falta).
Como se verifica dessas breves considerações, o trust está fundado numa tradição secular, legítima, pode até abrigar contas bancárias no exterior, mas não regulariza rendas originalmente não declaradas, nem exime o seu outorgante da apresentação das informações de patrimônio ou benefícios recebidos no exterior às autoridades.
Em outras palavras, o milagre não existe, pois como disse aquele autor desconhecido: não há maneira certa de fazer coisa errada.
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