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O militarismo alemão que não existe mais

(Foto: Pixabay)

A volta por cima de Berlim pode ter sido difícil, mas pelo menos marcou uma nova era de lucidez. Não só o governo alemão recusou o pedido recente dos norte-americanos para enviar soldados à Síria com o intuito de combater o que resta do Estado Islâmico, como também nem levou a ideia em consideração: não houve debate no Bundestag e nem mesmo uma discussão de verdade na imprensa.

Este ano, a República Federal da Alemanha pós-guerra completa 70 anos. Nascida dos destroços morais e físicos da Segunda Guerra Mundial e reunida apenas há trinta anos, parte dos traços de seu caráter nacional ainda estão se formando. Já outros estão plenamente formados, incluindo um antimilitarismo arraigado e renitente.

A Alemanha não se lançou nesse caminho sozinha; depois de 1945, tendo acabado com o regime nazista, os Aliados concederam à sua porção ocidental um exército próprio, mas somente como elemento de dissuasão contra a União Soviética. Era parte integrante da Otan, sem Estado-Maior próprio; de fato, Bonn pagava pela manutenção das tropas dos EUA estacionadas em seu território. Desde o início, a responsabilidade pela segurança nacional foi terceirizada.

Ao mesmo tempo, os alemães começaram a assimilar o horror moral da era nazista. E uma conclusão disso foi a profunda aversão ao poderio militar: para muitos, principalmente a geração nascida imediatamente após a guerra, a culpa inabalável implicava a certeza de que nunca poderiam ter poder suficiente para começar uma nova guerra.

Os alemães não olhavam só para o passado cheios de culpa, mas também para o futuro, com medo. Os norte-americanos de certa idade hão de se lembrar do terror das duas semanas da Crise de Cuba, em 1962; já para os teutônicos da mesma idade, como eu, a infância inteira foi marcada por uma crise nuclear permanente.

Na Alemanha, a guerra é sempre uma vergonha, uma mostra de fracasso. A memória da guerra está intrinsecamente ligada ao colapso da civilização como tal

Na escola, aprendemos que o arsenal de armas nucleares soviéticas, estacionado a apenas algumas centenas de quilômetros de nossas maiores cidades, poderia destruir tudo em questão de minutos, várias vezes – o "uso excessivo de força", como se dizia. Para os alemães, a ideia de "guerra" virou sinônimo não de armas e tanques, mas sim de uma erradicação repentina e completa do país. E dessa angústia nasceu o pacifismo – não só como filosofia moral, mas também por puro interesse nacional.

Em 1971, o chanceler Willy Brandt resumiu esse paradigma em seu discurso de agradecimento pelo Prêmio Nobel da Paz: "A guerra não é o último recurso, mas sim uma opção irracional." Por outro lado, a paz era o valor fundamental; o estrategista-chefe de Brandt, Egon Bahr, alertou o movimento de liberdade polonês em 1982: "A autodeterminação de uma nação deve estar subordinada à preservação da paz."

Brandt era um idealista; Henry Kissinger zombava dele, chamando-o de "romancista político". Entretanto, estava alinhado com a linha geral da política nacional – em 1993, por exemplo, o chanceler Helmut Kohl, conservador, declarou que os soldados alemães jamais deveriam intervir nos países em que a Wehrmacht (as Forças Armadas alemãs durante o Terceiro Reich) tinha atuado.

O conflito nos Bálcãs serviu de teste para essa doutrina, e a decisão da Corte Constitucional Alemã, um ano depois, abriu a porta para tais mobilizações ao aprovar operações "fora de área" – ou seja, no exterior – das Forças Armadas nacionais. Entretanto, elas só poderiam atuar como parte das missões da Otan, da ONU ou da União Europeia.

Desde então, a Alemanha destacou tropas algumas vezes, quase sempre no papel de forças de paz. E, embora recentemente tenha aumentado a verba militar, sob a chanceler Angela Merkel, também acabou com o serviço militar obrigatório e reduziu o número de membros na ativa.

Para os EUA, talvez seja difícil compreender essas ressalvas. Historicamente, muitos norte-americanos passaram a ver a guerra como uma força do bem, pelo menos quando nas mãos certas. Uma guerra "boa", para acabar com crimes contra a humanidade, por exemplo, é ponto de orgulho.

Na Alemanha, a guerra é sempre uma vergonha, uma mostra de fracasso. A memória da guerra está intrinsecamente ligada ao colapso da civilização como tal, a crimes tão medonhos e traumáticos que representam um legado moral eterno para os alemães: nunca mais.

Em 1999, quando o ministro das Relações Exteriores, Joschka Fischer, do Partido Verde, pacifista, defendeu o uso de armas durante a Guerra dos Bálcãs, um colega correligionário lhe atirou um balão na cabeça cheio de tinta vermelha. A mensagem era bem clara: toda guerra é crime, e defendê-la é o argumento de um assassino.

Em 2014, a presidente da igreja protestante alemã, Margot Kässmann, se recusou de eximir até mesmo a invasão aliada de 1944, que libertou a Alemanha nazista, do dogma pacifista. "Sem dúvida, foi uma batalha com boas intenções, mas para mim é difícil justificar a guerra. Existe apenas a paz justa." Essa é a mentalidade contra a qual se levantam os aliados da Alemanha.

Em pesquisa realizada em 2018, 72% dos alemães disseram que o país não deveria fazer parte da ação militar conjunta contra o regime sírio, mesmo que o ditador usasse gás letal contra civis. Nas palavras do historiador Heinrich August Winkler, os teutônicos se acostumaram ao "direito de desviar o olhar" – imperioso, ainda que duvidoso, e que as outras democracias ocidentais não podem reivindicar nem exercer.

Não que a Alemanha se isente de participar das questões mundiais; o país usou e usa seu poderio econômico para encarar a Rússia, organizou uma resposta para a crise dos refugiados e liderou o continente durante um período recessivo complicado.

Apesar disso, o esforço longevo para não esquecer as lições da história e se manter em guarda contra a queda em outro abismo moral gerou uma consequência involuntária: a arrogância moral. A portas fechadas, não demora muito para que os diplomatas dos países vizinhos denunciem o que veem como hipocrisia da República de Berlim. O moralismo se tornou o novo nacionalismo.

De fato, esse tipo de atitude pode ser irritante, mas o melhor que os outros podem esperar da Alemanha é que se comporte como uma Suíça não neutra. O pacifismo alemão veio para ficar, e não adianta pedir que o país seja o que não é. Em vez disso, os aliados fariam melhor se encorajassem a liderança alemã por meio de seus verdadeiros pontos fortes: influência econômica e credibilidade diplomática – ou seja, a fala mansa com um pedaço de pau enorme na mão.

Jochen Bittner é editor político do jornal semanal "Die Zeit" e contribui para a coluna de opinião.

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