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desmatamento mato grosso
Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo, em Colniza (MT)| Foto: Vinícius Mendonça/Ibama/Arquivo

Durante muitos anos, a política indigenista nacional foi guiada por interesses escusos, falta de transparência e forte presença de organizações não governamentais. Um cenário de fracasso, dominado por intermediários, no qual os indígenas eram feitos de massa de manobra e que resultou em profundos prejuízos, contribuindo para os quadros de pobreza e dependência econômica verificados em aldeias de todo o Brasil. Esta realidade vem passando por transformações desde 2019, quando o indígena começou a ser visto como alguém que possui os mesmos sonhos, anseios e responsabilidades dos demais cidadãos. A magnitude desse universo compreende mais de 300 etnias e 270 línguas, o que por si só já demonstra uma enorme pluralidade.

A política indigenista executada na atualidade coloca o indígena no centro das decisões, como protagonista da sua história, sem espaço para atravessadores ou políticas públicas pautadas em posturas ideológicas. É impossível, dada a pluralidade étnica, que apenas uma ou outra entidade se autodeclare como representante de todos os indígenas do Brasil. Em verdade, muitos segmentos ideológicos que dizem atuar na defesa da causa indígena escamoteiam e atuam na defesa de seus próprios interesses.

Ao indígena, dotado de dignidade e inteligência, é permitido decidir melhor do que ninguém a respeito dos assuntos do seu interesse ou sobre o que é melhor para ele. Há de ser oferecida a oportunidade de que os indígenas possam reter seus usos, costumes e tradições, bem como sua herança indígena, não como a relíquia de um passado morto, mas como uma parte vital do mundo contemporâneo, o qual também incorpora a realidade indígena, como somatório de mundividências, em relações interétnicas de mútuo proveito, a caracterizar ganhos inclusivos e incessantemente cumulativos para todos os brasileiros. É perfeitamente possível compatibilizar os usos, costumes e tradições indígenas e a exploração de atividade econômica, sob a ótica de garantir a sustentabilidade ambiental, econômica e social, sempre dentro da autonomia da vontade, com a possibilidade de incremento da renda e melhoria na qualidade de vida das comunidades, tal como para o cumprimento dos objetivos fundamentais à plena cidadania, conforme estabelecido no artigo 3.º da Constituição Federal.

É impossível, dada a pluralidade étnica, que apenas uma ou outra entidade se autodeclare como representante de todos os indígenas do Brasil. Em verdade, muitos segmentos ideológicos que dizem atuar na defesa da causa indígena escamoteiam e atuam na defesa de seus próprios interesses. 

O desenvolvimento nacional como progresso econômico, político, social e cultural da nação traz a maximização do bem-estar para todos os brasileiros, inclusive os indígenas, gerando riqueza e melhoria das condições sociais. Aqui vale citar a eterna mensagem deixada por Thomas Jefferson a respeito dos direitos dos homens como a vida, liberdade e a busca pela felicidade: “Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade”.

Para isso, é fundamental ouvir o indígena e deixá-lo caminhar como prefere, sempre com respeito aos usos, costumes, tradições e, sobretudo, com respeito à vontade de cada etnia, premissa que norteia todas as ações da Fundação Nacional do Índio (Funai). Nessa nova perspectiva, ganha espaço a produção sustentável em terras indígenas, o que possibilita aliar autonomia e geração de renda a fim de promover independência e dignidade. As atividades produtivas desenvolvidas de forma responsável nas aldeais permitem aos indígenas auferir renda e melhorar suas condições de vida. E cabe destacar: o indígena não deixa de ser indígena por querer prosperar. A busca por melhores condições de vida não significa perda de identidade étnica em lugar algum.

Muitos são os exemplos exitosos nesse sentido, como a pesca esportiva na região do Xingu, a produção de café pelos Suruí, de castanha pelos Cinta Larga, de arroz pelos Xavante e Bakairi, de camarão pelos Potiguara, e de erva-mate pelos Guarani e Kaingang. As atividades são desenvolvidas pelos próprios indígenas e resultam em retorno financeiro, o que beneficia toda a comunidade. O governo federal, por meio da Funai, vem apoiando em todo o país iniciativas como essa, que promovem a autonomia das comunidades indígenas de maneira sustentável. As experiências colaboram, inclusive, para que o arrendamento de terras indígenas – que é vedado – fique no passado.

As atividades produtivas desenvolvidas de forma responsável nas aldeais permitem aos indígenas auferir renda e melhorar suas condições de vida. E cabe destacar: o indígena não deixa de ser indígena por querer prosperar.

Um exemplo de sucesso é a produção de grãos dos indígenas Haliti-Paresi, Nambikwara e Manoki, no Mato Grosso, que movimenta cerca de R$ 140 milhões ao ano. Aproximadamente 3 mil indígenas são diretamente beneficiados com o trabalho. O cultivo de grãos como soja, milho e feijão ocorre em locais já antropizados, em menos de 2% da área. Na atual gestão da Funai, foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) visando regularizar a produção agrícola dessas etnias, por meio de lavouras mecanizadas na região. Com o TAC, os indígenas puderam retomar a utilização da área designada para a produção agrícola mecanizada, a fim de viabilizar o comércio no exterior.

Nos últimos três anos, investimos cerca de R$ 40 milhões em projetos de etnodesenvolvimento. Em uma iniciativa pioneira, entregamos mais de 40 tratores a comunidades indígenas de diferentes regiões do país, a fim de reforçar a produção de alimentos. Recentemente, promovemos um encontro inédito, levando representantes da Caixa Econômica Federal e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para conhecer de perto a produção dos Paresi. O objetivo é estabelecer parcerias que possibilitem o acesso dos indígenas ao crédito bancário. Desta forma, eles poderão obter resultados ainda mais expressivos. Todas essas iniciativas atestam nosso esforço diário para impulsionar as atividades produtivas nas aldeias.

Em outra frente, investimos mais de R$ 102 milhões no combate à Covid-19. Nesse período, a Funai se destacou pela garantia da segurança alimentar nas aldeias. Em todo o território nacional, entregamos cerca de 1,3 milhão de cestas básicas a mais de 200 mil famílias indígenas. São aproximadamente 30 mil toneladas de alimentos entregues diretamente aos indígenas, incluindo áreas remotas e de difícil acesso, que impõem diversos obstáculos logísticos.

Um exemplo de sucesso é a produção de grãos dos indígenas Haliti-Paresi, Nambikwara e Manoki, no Mato Grosso, que movimenta cerca de R$ 140 milhões ao ano. Aproximadamente 3 mil indígenas são diretamente beneficiados com o trabalho.

Contrapondo, ainda, falsas narrativas veiculadas nos diferentes meios de comunicação sobre a proteção de terras indígenas, investimos, nos últimos três anos, R$ 72 milhões em ações de fiscalização territorial. As atividades são fundamentais para garantir a segurança, bem como coibir ilícitos, tais como extração ilegal de madeira, atividade de garimpo e caça e pesca predatórias. A Funai apoia ainda diversas operações conjuntas de fiscalização e combate a crimes realizadas em parceria com órgãos ambientais e de segurança pública, como Polícia Federal, Força Nacional, Ibama e Forças Armadas. Como resultado deste trabalho firme e incessante, foi verificada uma redução de 22,75% no desmatamento em Terras Indígenas da Amazônia Legal entre 2020 e 2021, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Os dados falam por si.

Outro tema cercado de polêmicas e que merece uma análise aprofundada é a regulamentação da atividade de mineração em terras indígenas, atualmente em discussão no Congresso Nacional. É consenso que o modelo hoje vigente traz uma série de prejuízos para indígenas e não indígenas, tendo impactos sociais e ao meio ambiente, entre outros. Já a regulamentação coloca no horizonte critérios claros para a realização da atividade, mediante estudos, fiscalização e controle. Desta forma, todos ganham, podendo o indígena alcançar a dignidade de forma autônoma, o que é uma das bandeiras do governo federal.

No aspecto legal, a regulamentação da atividade minerária em áreas indígenas foi vontade do Poder Constituinte Originário, em 1988, sendo necessária a edição de lei específica que regulamente a matéria e autorização do Congresso Nacional, mediante decreto legislativo. Passados mais de 30 anos, não se avançou para cumprimento do estabelecido pelo Poder Constituinte Originário.

A Funai apoia ainda diversas operações conjuntas de fiscalização e combate a crimes realizadas em parceria com órgãos ambientais e de segurança pública, como Polícia Federal, Força Nacional, Ibama e Forças Armadas. Como resultado deste trabalho firme e incessante, foi verificada uma redução de 22,75% no desmatamento em Terras Indígenas da Amazônia Legal entre 2020 e 2021, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Mais uma vez, constatamos que cabe ao indígena tomar as próprias decisões e escolher os rumos a seguir, bem como manifestar a sua vontade. Antes de opinar, é preciso ouvir o que o indígena tem a dizer. Lembrando que o Brasil conta com cerca de 1 milhão de indígenas e mais de 300 etnias, sendo que uma única liderança ou entidade não pode falar por todas. Só assim, com respeito à vontade dos indígenas, teremos um futuro digno nas aldeias. É o que eles tanto anseiam, e, acima de tudo, merecem.

Marcelo Augusto Xavier da Silva, delegado da Polícia Federal, bacharel em Direito e pós-graduado em Ciências Criminais, Direito Administrativo, Direito Constitucional e Antropologia, é presidente da Funai.

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