O Código Penal brasileiro determina que o juiz estabelecerá a pena de modo suficiente a reprovar e a prevenir o crime. Portanto, adota-se em solo brasileiro a teoria mista ou unificadora sobre a finalidade da pena, estando assente que o Estado deverá promover a retribuição ao fato delituoso e prevenir o delito, seja de modo geral e amplo à população, seja de maneira circunscrita e determinada ao condenado.
Tudo isso corrobora a conclusão de não ter a pena um fim em si mesmo, devendo o Estado buscar certas finalidades em vez de, simplesmente, atribuir ao condenado uma pena ante o cometimento de um crime. Assim, ao tempo em que o objetivo da reprovação dá os limites para a sanção penal, o objetivo de prevenção especial é intentado através das medidas socioeducativas a serem oferecidas mas não impostas pela Administração Penitenciária. Por sua vez, a prevenção geral busca não só a intimidação do autor de futuros delitos, como também efeitos sobre a demonstração de inviolabilidade do ordenamento jurídico e a pacificação social ao ver o acusado, quando culpado, devidamente apenado.
Assim, é notório que o pacote de medidas propostas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em especial o monitoramento eletrônico de presos, reforça a discussão sobre as finalidades da pena, eis que conclama a sociedade ao debate. O Plano de Gestão para o Funcionamento de Varas Criminais e de Execução Penal propõe ao argumento de que "o cumprimento de pena em regime aberto, com recolhimento noturno a casa de albergado, segundo entendimento consensual dos juízes com exercício em varas de execução penal, não tem se mostrado medida eficaz, ademais de alimentar a criminalidade", seja o acusado recolhido em seu domicílio e que o controle se faça através de monitoramento eletrônico.
A proposta não é taciturna nem tampouco inoportuna, ainda que menos ampla do que o disposto já inserido na Lei 12.906/2008, vigente no estado de São Paulo, esta permissiva do monitoramento eletrônico para as decisões que versem sobre a prisão em residência particular, a proibição de frequentar determinados lugares ou, ainda, as que concedam o livramento condicional, a saída temporária ou o trabalho externo.
Mas, enfim, a adoção dessa espécie de monitoramento está em compasso com os fins buscados pelo Código Penal e já acima mencionados?
A resposta não é tão óbvia quanto gostaríamos. A política criminal e penitenciária brasileiras faliram há um bom tempo, sendo a Lei de Execução Penal um diploma cuja aplicação permanece no campo da intenção. A leitura diária dos jornais nos dá essa infeliz constatação. Portanto, muito embora eficiente do ponto de vista de diminuição dos custos do Estado na manutenção da casa de albergado, o monitoramento eletrônico realça o comprometimento estrutural da efetividade do poder estatal de punir. Outrossim, nas hipóteses de inexistência da casa do albergado, o controle eletrônico torna efetiva a visão do Estado sobre o condenado, deixando-se de lado a medida inócua que é o recolhimento em sua própria residência sem qualquer espécie de controle ou, ainda, mediante um controle realizado por amostragem e extremamente falho.
Fácil perceber que o Estado, ciente de sua ineficácia, através do monitoramento eletrônico, transferiria ao condenado grande parcela de sua própria responsabilidade, quando na verdade deveria vigorar o contrário: o responsável pelo julgamento fosse também o responsável pela aplicação da sanção penal.
É bem verdade que a proposta advinda do CNJ não retira a possibilidade de o acusado ter o poder de decidir sobre a utilização ou não do monitoramento eletrônico, ainda que se trate de livre-arbítrio viciado diante das duas hipóteses: casa de albergado sem monitoramento (sabe-se lá a condição da casa de albergado oferecida pelo Estado) ou sua própria residência, porém com o monitoramento. Ademais, torna-se evidente dever ser a forma de utilização do aparato eletrônico a mais discreta possível a fim de evitar a injusta exposição do condenado, o que induziria a coletividade a vê-lo como coisa e não como ser humano.
Outrossim, a medida pleiteada pelo CNJ estaria em compasso com o intuito ressocializador, pois manter o acusado monitorado sem sua retirada do seio familiar se mostraria medida extremamente adequada e com larga vantagem se comparada ao mero comparecimento em instituição estatal. O CNJ reconhece possuírem os familiares e amigos importância maior na reinserção daquele que tenha suportado o cárcere do que propriamente o Estado inerte.
Sobreleva notar que o monitoramento eletrônico é apenas um dos tópicos traçados no auspicioso Plano do CNJ, mais um instrumento revelador das mazelas do processo penal no Brasil e que propõe o emprego urgente da tecnologia para a salvaguarda da liberdade e da segurança pública. No entanto cabe o debate com as demais instituições e a sociedade civil, cientes de que é chegado o momento de promover as alterações adequadas. Não se pode mais errar.
Daniel Laufer, advogado criminalista, mestre em Direito, é professor de Direito Penal na PUCPR
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