| Foto: Tomas Faquini/AFP

Perto do discreto posto de combustíveis que deu origem ao nome da Lava Jato, está o monumental Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha, ostensivamente visível a quem circula na região. Os dois prédios estão ligados pelo título deste marcante livro intitulado Crime.gov, dos policiais federais Jorge Pontes e Márcio Anselmo. Enquanto o posto simboliza a operação que desvendou a corrupção de bilhões de reais, desviados sob a forma de propina, o estádio é o monumento, a prova física, da corrupção. Quando decidi ler o Crime.gov achei que seria uma obra sem novidades. Mas ele vai além, ao descrever o momento em que perceberam que estavam diante do pedaço de uma enorme baleia: a moderna corrupção brasileira.

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O uso de mordomias é “corrupção dos privilégios” que rouba recursos públicos que poderiam atender às necessidades do povo

Outros livros descrevem prisões, delações, malas com dinheiro, mas o Crime.gov mostra o sistema corrupto que se consolidou com comando central e ramificações em consolidada promiscuidade entre políticos e empresários; cobrando e pagando propinas, integrando o braço político e eleitoral com o braço executivo governamental, na definição de obras, e agindo aqui e no exterior. Crime.gov nos mostra a maldita baleia do Estado corrupto e deve ser divulgado para esclarecer a dimensão dessa tragédia imoral.

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O Mané Garrincha ainda seria uma corrupção, mesmo que nenhuma propina fosse desviada para o bolso de políticos. O desperdício de quase R$ 2 bilhões para construção desse estádio, com sua monumentalidade, para jogos na Copa do Mundo, e praticamente inoperante após, é roubo de dinheiro público que deveria ter sido usado em saneamento básico para famílias que moram pertinho dele, ou para equipar escolas degradadas, ou melhorar a saúde e a segurança. Independentemente da corrupção no comportamento de políticos propineiros, o Mané Garrincha e centenas de outras obras no Brasil representam a “corrupção nas prioridades” da política inconsequente e descomprometida com os interesses públicos.

Leia também: O Ministério Público e o combate à corrupção (artigo de Leonir Batisti, publicado em 13 de dezembro de 2017)

Leia também: Legalizemos, então, a corrupção (artigo de Percival Puggina, publicado em 26 de setembro de 2018)

Da mesma forma, perto do Estádio, o prédio do Ministério Público Federal, apesar de não pesar sobre ele denúncia de “corrupção de comportamento”, e abrigar um serviço fundamental, inclusive na luta pela moralidade pública, representa uma forma de corrupção. Porque o uso de dinheiro público para construir prédios luxuoso, representa uma “corrupção da ostentação”, que faz parte da ideia de Crime.gov. O uso de mordomias é “corrupção dos privilégios” que rouba recursos públicos que poderiam atender às necessidades do povo.

O livro Crime.gov é uma excelente contribuição para o entendimento da baleia da corrupção no comportamento dos políticos, mas precisamos de outros que mostrem todo o monstro que caracteriza o sistema público, não apenas político, brasileiro nas suas diversas formas de corrupção. A leitura da obra de Jorge Pontes e Márcio Anselmo fica como um excelente livro que nos esclarece, nos horroriza e nos desperta.

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Cristovam Buarque é professor emérito da Universidade de Brasília.