| Foto: /Wikimedia Commons

Os estudantes batem no professor, os filhos educam os pais, os homens cozinham e as mulheres pegam no fuzil, o cão come à mesa, os bandidos mandam à prisão os policiais.

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Não são fotonotícias da última revista semanal, mas assuntos das iluminuras medievais, das xilogravuras do século 18 e de muitas outras representações do “Mundo ao revés”. Trata-se de um tópos do imaginário coletivo que teve grande sucesso narrativo e iconográfico desde, pelo menos, o Egito antigo, passando pela literatura greco-romana, o período medieval e a época moderna até o século 20, quando esta tradição misteriosamente se interrompe.

Entre os incunábulos, alfarrábios e panfletos do Século das Luzes percorrem-se ingênuas e engraçadas representações que relatam peixes tirando o pescador de baixo d’água, bois colocando o camponês no arado, gansos metendo o cozinheiro em um espeto e pincelando-o com óleo, cervos que atirando no caçador, cavalos pregando a ferradura no ferreiro e por aí vai.

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Dá uma vertigem, contudo, quando aqui e ali aparecem algumas absurdas inversões da ordem natural e social que hoje se tornaram realidade. O que teriam pensado aqueles antigos ilustradores se tivessem observado as Crônicas carnavalescas do nosso tempo?

É a primeira vez na história que se assiste a uma inversão tão radical do senso comum e da moral natural

Seguindo os passos dos monges copistas, podemos desenhar novos quadrinhos em estilo perfeito: o juiz se impõe sobre o governante; o político se faz de bobo da corte e o bobo ascende na política; a mãe reivindica o direito de matar a prole e o médico, de suprimir o doente; o homossexual se casa e quer gerar filhos; o padre dança na missa e absolve o pecador impenitente que desfila orgulhoso pela cidade.

Neste Navio dos loucos do terceiro milênio, a minoria dita a lei à maioria, os direitos são separados dos deveres, a criança manda em casa e o professor é maltratado pelos pais, o herói de guerra é esquecido e se reabilita o desertor; o policial é desarmado, o ladrão indenizado, o preso libertado, o assassino perdoado, e a vítima de roubo que se defende é mandada à prisão.

É o Banquete de Cipriano na versão 2019, em que a comida é servida à mesa dos cardeais, com a condição de que não comam o pobre cordeiro (seria um homicídio); é o banquete surreal onde o homem se apresenta depilado, a mulher vestida de modo masculino e os cães tomam o lugar dos filhos; à mesa tratam-se os velhos por “você” para não ofendê-los, enquanto o hóspede se assenhoreia e o dono da casa se desaloja.

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É o carnaval dos nossos dias onde o esterco e a urina são expostos nos museus, os cantores grosseiros e desafinados lotam os teatros e os humoristas vulgares tornam-se embaixadores da cultura. Em suma, poder-se-ia continuar por muito tempo com a grotesca série de atualíssimo “tarô inversivo”, talvez reproduzidos em belas gravuras aquareladas.

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O mundo ao revés terá sido finalmente realizado? O certo é que é a primeira vez na história que se assiste a uma inversão tão radical do senso comum e da moral natural. Tais inversões teriam, de fato, escandalizado da mesma forma tanto o homem antigo, medieval e moderno, como hoje o índio da Papua-Nova Guiné, o esquimó ou o pastor andino. Também é verdade que o mundo ao revés dos antigos, com as suas absurdidades, precedia a um radical renovamento, uma mudança de época capaz de melhorar a sociedade, reescrevendo-lhe as regras e o ordenamento, de modo tão drástico a prefigurar uma verdadeira revolução. Talvez o mundo esteja para se endireitar? Talvez; por enquanto o tempo não parece breve.

Estas paradoxais e paroxísticas inversões oferecem, todavia, uma grande oportunidade: a de poder reconhecer de modo extremamente vívido a ação e as técnicas do Divisor, daquele “Espírito que sempre nega tudo”, como diz de si mesmo o Mefistófeles de Arrigo Boito. Antes, as ideologias filtravam e absorviam as instâncias destrutivas mesclando-se com as construtivas em um emaranhado difícil de destrinchar. Hoje é tudo mais limpo e direto: pode-se extrair imediatamente a raiz maligna ou benéfica de uma ideia, uma prática, uma inovação, um costume.

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O teste decisivo é evidente: a constante invariável de toda inversão maligna é a utilização instrumental das emoções desligadas da razão. O diabo subverte o mundo através da emotividade. Depois de tudo, não poderia ser diferente, considerando que ele é o antagonista supremo da religião do Logos, daquela fé caracterizada pelo pensamento crítico, racional e objetivo.

Caídas as categorias históricas de direita e esquerda, o choque – titânico – é sobretudo entre uma racionalidade que tenta compreender as coisas e uma emotividade difusa que manipula e dá respostas predeterminadas. Estas duas macrofacções são colocadas em total oposição sobre temas que vão desde a política externa à interna, do juízo estético ao costume, à moda, ao relacionamento com os animais, até condicionar a lista dos gastos do dia a dia.

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Vejamos: todo fenômeno inversivo leva em sua raiz um mote compassional, um apetite emocional, um anelo narcisista com a condição de que seja totalmente privado de uma reflexão racional. As inversões do “homem evoluído” provêm, hoje, invariavelmente, de uma empatia esclerosada, redundante e pontualmente desligada de análises gerais, do confronto com a verdade e a justiça, prescindindo de uma visão ampla, orgânica e histórica da realidade.

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A “emotividade glamour” é uma das armas mais afiadas para manipular as massas e paralisar a reflexão crítica. Um pietismo extremista é, não por acaso, o traço típico dos apoiadores do “acolhimento a todo custo” que desprevenidamente endossam a deportação em massa de novos escravos e o lucro que alguns tiram disso.

O mundo ao revés, aquele do mal, da loucura destrutiva e do absurdo é defendido e construído por um exército de “médicos piedosos”, de almas vaidosas, de pessoas que vão onde os leva o coração tendo deixado a cabeça em casa. E não é um acaso que o mundo do marketing e da publicidade, escravizado a um consumo sem freios, o mesmo que propõe sem nenhum escrúpulo aos mais jovens os modelos invertidos acima, repete como um mantra obsessivo a palavra “emoção”.

Andrea Cionci é jornalista freelance no jornal La Stampa e bacharel em Letras pela Universidade de Roma “La Sapienza”. Tradução: Rafael Salvi.
© 2019 La Nuova Bussola Quotidiana. Publicado com permissão. Original em italiano.