O futuro governante do Brasil, para fazer um bom governo, tem de ser capaz de compreender o mundo
O futuro governo eleito hoje vai depender muito de sua capacidade de entender o mundo que encontrará no dia da posse. Esse cenário sofre a influência de riscos consideráveis: o contínuo desentendimento sobre a manipulação das moedas e seus efeitos no comércio; a deterioração do clima político e social devido à recuperação arrastada das economias e sinais inquietantes de agravamento da situação de segurança na Ásia.
O desacordo sobre moeda não foi resolvido pelo G-20. Na prática, nada mudou, apesar dos apelos aos países cronicamente superavitários (China, Japão, Alemanha) para que deixassem de apreciar a moeda a fim de estimular a demanda global, aceitando déficits comerciais.
Ninguém renunciou aos saldos; o projeto de lei anti-China no Congresso americano e a ofensiva de Tóquio em favor do iene confirmam a dificuldade de corrigir os macrodesequilíbrios globais em um sistema sem regras nem disciplina em matéria de moeda e câmbio.
De todos os riscos, este é o mais imediato para o Brasil, uma das raríssimas economias que se resignaram a uma moeda supervalorizada, de custo cada vez mais intolerável para o balanço de pagamentos e a competitividade comercial.
O desemprego nos EUA e os cortes de gastos na Europa corroem a coesão social, empurrando o eleitorado para a direita. Seria exagero comparar com os anos 30, mas a obsessão com ciganos e bodes expiatórios, reações irracionais como o Tea Party dissipam o que sobrou da esperança da eleição de Obama.
Sem que se vislumbrem soluções para o conflito palestino-israelense, o programa nuclear do Irã ou a guerra do Afeganistão, agrava-se a tensão no Mar da China.
A afirmação mais agressiva das exigências de Pequim sobre ilhas disputadas se confronta com o Japão e vários outros protegidos pela esquadra americana. Os problemas da Índia na Caxemira e do Paquistão com os terroristas mostram que a Ásia não se resume ao sucesso das economias.
É também, como lembrava Kissinger, o único continente desprovido de um acordo regional de segurança e onde os grandes atores continuam a se comportar como na política europeia no período que antecedeu a guerra de 1914.
Nessas águas revoltas é que terá de navegar uma diplomacia brasileira que já não contará com a estrela de Lula. Cujo brilho, aliás, começou a enfraquecer após a visita a Teerã e uma sucessão de provocações gratuitas.
A ação pessoal e diplomática do presidente foi central em dois episódios: o da elevação do G-20 a substituto do G-7 na coordenação das economias e o acordo sobre urânio com o Irã. O primeiro teve êxito por coincidir com a postura dos EUA e os interesses da China e da Índia. O segundo se frustrou por contrariar interesse vital americano e não obter apoio da China, Rússia e Índia.
A lição é clara: as promessas do cenário mundial só se realizam quando as iniciativas são construtivas e consensuais. O Brasil se afirmará como ator global se a diplomacia for sóbria e sem jactâncias, de aglutinação, não de divisão.
O país conquistará respeito não com armas ou bravatas, mas sendo uma força de moderação e equilíbrio a serviço da paz, dos direitos humanos, da democracia, não dos tiranos e caudilhos.
Rubens Ricupero é diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda no governo Itamar Franco.
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