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Thomas Sowell é um brilhante economista americano, 93 anos, negro, filho de uma família pobre de Chicago. Foi Marxista até descobrir, com dados concretos e cálculos econométricos, que o comunismo como modelo econômico não funciona. Hoje ele é uma referência mundial em pensamento econômico. Um amigo seu, judeu, perguntou: “O que os judeus devem fazer para não serem mais perseguidos?”. Ele respondeu em uma única palavra: “Fracassem”.
Tenho certeza não ser o único a estar perturbado pelos acontecimentos do último mês. Sou brasileiro, judeu, trabalhei por 30 anos na ONU em Nova York, indo a mais de 80 países. Fui convidado pelo Afeganistão, Autoridade Palestina, Bangladesh, Egito, Israel, Indonésia, Irã, Iraque, Jordânia, Marrocos, Paquistão, Tunísia etc. para contribuir em projetos de desenvolvimento nas áreas de inovação, gestão e serviços públicos. Não combati terrorismo, não discuti paz no Oriente Médio, mas posso dizer que investi minha vida dando uma pequena contribuição para melhorar a vida de outros. Olhei nos olhos da gente desses países e isso me basta para achar que a paz é possível. Quero acreditar que o Brasil continuará a ser um exemplo de convivência pacífica entre árabes e judeus.
O Hamas conseguiu dividir o mundo árabe e mostrar, do modo mais bárbaro possível, que o antissemitismo agora recrudesce como conveniência política para aquela esquerda torta que sempre torce pelo azarão.
Meu pai chegou ao Rio de Janeiro com três anos de idade no dia 31 de dezembro de 1932 no vapor Flórida. Trabalhou muito como médico de família, e morreu sem saber que teve um bisneto nascido na Flórida em 2023. Sua jovem mãe fugia das perseguições aos judeus (chamados pogroms) que aconteciam na Rússia, Romênia, Ucrânia, entre outros. Se tivessem desistido de migrar para o Brasil, teriam sido dizimados pelos nazistas alguns anos depois. Hoje, judeus são ameaçados dentro de universidades americanas enquanto terroristas ligados ao Hezbollah são presos no Brasil pela eficiência de nossa Polícia Federal, com o respeitoso apoio do serviço secreto de Israel. Meus pais e avós buscaram o Brasil como uma terra de paz, mas agora talvez estejam se revirando em suas sepulturas.
Tenho muitas razões para ter orgulho de ser brasileiro e ter trabalhado na ONU. Mas hoje também tenho razões para sentir vergonha por isso. Não me parece que o governo brasileiro e a ONU estejam favorecendo a paz ao se colocar de forma enviesada e parcial nesse conflito.
Há várias décadas tem havido no Oriente Médio uma guerra por procuração (“proxy war”) entre o Ocidente, China/Rússia e ramificações do fundamentalismo islâmico. A invasão da Ucrânia pela Rússia também é outro sintoma disso. É importante dizer que Israel nunca começou uma guerra. Mas armas iranianas e norte-coreanas foram recentemente encontradas num depósito de munições em Gaza. A Arábia Saudita estava prestes a assinar um acordo de paz histórico com Israel, com apoio dos EUA, o que teria colocado as ambições geopolíticas do Irã em segundo plano.
O secretário-geral da ONU, caracterizado por seu apoio a ações humanitárias, poderia ter deixado bem mais claro nos seus discursos a gritante diferença entre as legítimas aspirações de autodeterminação do povo palestino (pelo menos aqueles que querem viver em paz com seus vizinhos) das monstruosas ações dos terroristas do Hamas no dia 7 de outubro. E quase ninguém fala mais nos reféns.
O Brasil, se é candidato a um protagonismo de paz em âmbito internacional, poderia se lembrar que também é membro da Organização de Estados Americanos (OEA) onde o Hamas e o Hezbollah são considerados organizações terroristas. E esses terroristas aparentemente atuam com alguma liberdade no Brasil e até vendem camisetas do Hamas nas ruas. Enquanto isso, países árabes como Bahrein, Emirados Árabes e Jordânia condenam o Hamas. O Egito declarou explicitamente que não permitirá grandes fluxos de refugiados de Gaza para o seu território e a Jordânia proibiu manifestações. Explico: oposições internas aos governos do Egito e da Jordânia contam com membros do Hamas os quais, na primeira oportunidade, tomariam o poder violentamente como fizeram em Gaza.
O Hamas conseguiu dividir o mundo árabe e mostrar, do modo mais bárbaro possível, que o antissemitismo agora recrudesce como conveniência política para aquela esquerda torta que sempre torce pelo azarão. O mundo parece estar em uma encruzilhada. Alguns historiadores, como Thomas Malthus e mais recentemente Peter Turchin, acreditam que a História pode ser analisada cientificamente para prever o futuro. O debate sobre “História Circular” é antigo. Não acredito nisso, mas aceito que os acontecimentos de poucos anos – em certas circunstâncias – podem definir o que acontecerá nas próximas seis ou sete décadas. Não sou o primeiro a perceber uma analogia entre a tensão global nos últimos 30 dias e os anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial. Por que existe isso? Também dá para responder em uma única palavra: poder.
A História mostra que os grandes conflitos sempre resultaram na extinção de algum império. O xadrez global parece desenhar um tabuleiro caricaturado onde se confrontam pelo menos o “Grande Império Democrático do Ocidente”, o “Grande Império Chino-Russo” e o “Grande Califado Islâmico do Oriente”, todos eles com suas muitas dissidências internas. Todos se dizem pacíficos, humanitários e democráticos, claro. E tem gente que ainda acha que o problema principal seria o obsoleto conflito entre “capitalismo” e “comunismo”.
Como sempre, grande parte dessa confusão se deve a “líderes carismáticos”, possivelmente psicopatas cercados por puxa-sacos, que acreditam excessivamente em si próprios, em detrimento de toda a humanidade. Ou eles encontram um caminho sensato para a convivência harmônica entre as suas respectivas esferas de influência ou veremos as ações das indústrias bélicas crescerem mais ainda nos próximos anos. Infelizmente, os imperadores – grandes e pequenos – só aprendem que a cara rola junto com a coroa quando já é tarde demais.
Jonas Rabinovitch é arquiteto urbanista com 30 anos de experiência como Conselheiro Sênior em inovação e gestão pública da ONU em Nova York.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos