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O nacional populismo veio para ficar

Ilustração: Fabio Abreu (Foto: )

A ascensão do nacional-populismo é uma realidade, basta citar Trump, o Brexit, Viktor Orbán na Hungria, Le Pen na França, o avanço do movimento da direita radical na Itália, Bolsonaro no Brasil etc. Com suas diferenças, os denominadores comuns são a descrença na democracia liberal e suas instituições, o ataque ao globalismo, que enfraquece a soberania nacional diante de instituições supranacionais, e o receio com a imigração descontrolada.

Alguns tentam explicar o fenômeno como uma reação passageira a crises conjunturais e econômicas, como se fosse apenas o voto do homem branco de classe média, pouco culto, movido por ressentimento. Não é a opinião de Roger Eatwell e Matthew Goodwin, autores de National Populism: The Revolt Against Liberal Democracy. Para os acadêmicos, com base em muitas pesquisas, o fenômeno é mais estrutural do que parece, e as reclamações desses eleitores, muitas vezes, legítimas. Ignorar isso só vai levar a previsões equivocadas.

O nacional populismo é uma ideologia que prioriza a cultura e os interesses da nação

A tendência de muitos analistas é priorizar o aspecto econômico, mas a questão cultural é tão ou mais importante para os que apoiam líderes nacional-populistas. Eles prometem dar voz àqueles que se sentem negligenciados pela política tradicional e os partidos estabelecidos. As elites corruptas dominaram a política de forma distante da população, e as lideranças populistas se apresentam como representantes diretas desse povo, contra essas elites.

O nacional populismo, portanto, seria uma revolta contra a política e a mídia mainstream, assim como os valores “liberais”. Críticos mais histéricos acusam esses líderes de fascistas, mas os autores rejeitam esse rótulo, admitindo que apenas uma pequena minoria deseja de fato implodir as instituições democráticas. O que a maioria procura é mudar tais instituições para que elas deem mais espaço aos que se sentem sem representação. Muitos pregam, por exemplo, uma forma de democracia direta, justamente por acreditarem que os congressistas não os representam mais.

A preocupação com o isolamento dessas elites políticas em suas bolhas, sem elo com a vida real do cidadão comum, não deve ser descartada como injusta. Assim como a preocupação com o enfraquecimento do Estado-nação não é desprovida de fundamento. As rápidas mudanças étnicas que têm ocorrido como resultado de uma imigração descontrolada, em especial com refugiados islâmicos, também geram insegurança, que tampouco deve ser descartada como paranoia ou xenofobia.

Ou seja, as agendas “liberais” cosmopolitas entram em conflito direto com valores mais tradicionais e conservadores enraizados na população, e não há nada absurdo em temer o ritmo dessas mudanças. Claro que há parcela racista e xenófoba que se aproveita desse clima, mas os autores reconhecem a legitimidade da maioria que adere a tais movimentos. Suas ansiedades não podem ser tratadas como simples rancor de “deploráveis”, e esse tem sido o grave erro dos “progressistas”.

Os autores apontam para os quatros “Ds” que estariam por trás desse sentimento profundo diante de mudanças radicais: a descrença no elitismo da democracia liberal; a destruição da identidade nacional promovida pela imigração desenfreada; a desigualdade criada pela globalização, mais no sentido de uma privação relativa e da perda da crença em um futuro melhor; e o desalinhamento entre partidos e eleitores.

Tudo isso, na era das redes sociais, tem produzido maior volatilidade política, e a oportunidade para o surgimento de líderes nacional-populistas. Ou seja, não se trata de um protesto relâmpago, mas sim de uma tendência duradoura, até porque essas questões são estruturais e devem se agravar à frente. Para os autores, “os movimentos nacional-populistas conquistaram o apoio bastante leal de pessoas que compartilham preocupações coerentes, profundamente sentidas e, em alguns casos, legítimas sobre como suas nações e o Ocidente estão mudando em geral”.

Nesse sentido, o fenômeno é uma reação a um quadro que efetivamente parece problemático. Não são fascistas no sentido tradicional, mas sim reacionários que querem resgatar um passado idealizado ou preservar valores ameaçados. Dos Estados Unidos à Europa, os movimentos nacional-populistas são vistos como refúgio para fanáticos irracionais, perdedores desempregados, eleitores que foram duramente atingidos pela Grande Recessão e velhos brancos irados que logo morrerão e serão substituídos por Millennials tolerantes. É uma visão simplista que ignora toda a complexidade do fenômeno, uma narrativa que conforta os “liberais”, pois seria preciso apenas aguardar para que a configuração etária desse a vitória para os “progressistas”.

Não é justo nem certo retratar essas pessoas como ignorantes, e esses estereótipos apenas reforçam a polarização na sociedade. O nacional populismo é “uma ideologia que prioriza a cultura e os interesses da nação, e que promete dar voz a um povo que se sente negligenciado, mesmo desprezado, por elites distantes e muitas vezes corruptas”. A forma se confunde com o fascismo às vezes, mas não o conteúdo. Há também muitas teorias conspiratórias, mas o ataque ao politicamente correto e à influência de globalistas como George Soros parece legítimo.

Os autores escrevem: “Há certamente um lado negro no nacional-populismo. Mas concentrar-se indevidamente nesse aspecto desvia a atenção da maneira como os populistas também levantam questões por vezes desconfortáveis, mas legítimas, que de outra forma permaneceriam sem solução”. Podemos – e acho que devemos – discordar de muitos métodos utilizados pelos nacional-populistas, mas não devemos descartar os problemas que eles apontam, pois são reais. Os autores ponderam: “Os otimistas podem argumentar que toda essa mudança ajudará a manter os antigos partidos em alerta e os tornará mais receptivos às demandas das pessoas. Os pessimistas podem responder que isso apenas tornará a política mais fluida e caótica, abrindo as portas para mais mudanças, mais partidos, mais grandes mudanças nas eleições, mais coalizões instáveis ​​e decisões políticas mais imprevisíveis”. Não sou otimista, pois considero o tribalismo presente nesses movimentos bastante prejudicial ao convívio em sociedade. Se suas receitas vão ou não produzir bons resultados, o tempo dirá.

Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.

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