Tramita na Câmara de Deputados, com perspectiva de ser votado ainda nesta semana, o projeto de novo Código Eleitoral. Fruto de estudos de grupos de trabalho, o projeto contou com a participação de inúmeros juristas de todo o país, em especial advogados e cientistas políticos, a maior parte integrantes da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Política (Abradep).
Não foram poucas as audiências públicas na Câmara dos Deputados, bem como as reuniões dos subgrupos que debateram, propuseram e construíram um projeto de código que representa um avanço em termos de sistematização do direito eleitoral.
É bom que se diga que a legislação eleitoral em vigor é, quando não antiga, dispersa em vários diplomas, o que dificulta sua interpretação, compreensão e aplicação. Daí a importância de sua organização em um novo código.
Atualmente, não faltam críticos e aqueles que se antecipam a externar opiniões sem buscar compreender o que o código representa e quais são as reais mudanças. Com intuito de exemplificar, destaca-se que o projeto que irá a votação apresenta disposições afetas à distribuição de recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial, tomando em conta a existência de mandatos de negros e mulheres, de modo que quanto maior o número de cadeiras ocupadas por estes, maior será a participação dos partidos no acesso a tais recursos. Ou seja, o partido terá um interesse efetivo em incentivar a participação dessas minorias, internamente, de modo que haja um resultado efetivo refletido em mandatos obtidos, para além da mera entrega de um mínimo de recursos para campanhas de mulheres e negros (entrega mínima que, diga-se, hoje já existe e persiste no projeto). A inclusão das mulheres na gestão dos partidos também é uma inovação trazida pela reforma. Trata-se de ações afirmativas, mas agora oriundas do parlamento e não do Judiciário (que precisou nos últimos anos compensar a inércia legislativa).
Mas não é só. Uma das medidas efetivas voltadas a impedir a influência decorrente do exercício do poder no resultado de uma eleição é a chamada “quarentena” para a candidatura de ex-magistrados e ex-membros do Ministério Público. Pela redação da proposta, juízes e membros do Ministério Público ficariam inelegíveis por um determinado lapso de tempo (cinco anos), antes de poderem se candidatar a mandato eletivo.
É pertinente recordar que o próprio legislador constituinte reformador, no passado, reconheceu a notória influência que juízes e promotores exercem, mesmo após deixarem seus cargos. Ao aprovar a Emenda Constitucional 45, conhecida como “Reforma do Judiciário”, em 2004, o texto constitucional passou a impor a juízes e promotores uma “quarentena” de três anos para poderem advogar no local onde desempenhavam suas funções. Qual a razão? A indiscutível influência que exercem.
A proposta atual segue a mesma lógica. Pondere-se que, se em 2004 (e já se passaram 17 anos) reconhecia-se uma influência de juízes e promotores no meio jurídico, a justificar que ficassem afastados por três anos antes de poderem advogar, o que dizer dos dias atuais, em que notícias circulam de forma incomparavelmente mais veloz pelas redes sociais, operações investigativas passaram a ser batizadas para se tornarem mais populares e, não raras vezes, transformam-se em séries, novelas e filmes? Não se pode negar que há, sim, uma proeminência das figuras de juízes e promotores perante a sociedade de um modo geral e que tal decorre do exercício do poder público, das prerrogativas do cargo e das atribuições estatais nas quais estão investidos, o que os coloca em situação de desequilíbrio em relação a qualquer outro candidato.
Magistrados e membros do Ministério Público são proibidos pela Constituição de se filiarem a partidos políticos, o que por si só já demonstra a preocupação de que os poderes do cargo interfiram em questões políticas e vice-versa. Pessoas que ocupam tais funções, em especial juízes e promotores, exercem posição de destaque em razão de operações que presidem, decisões que proferem, com divulgação e acompanhamento da mídia. É certo dizer que a notoriedade obtida decorre das atribuições da função pública e, assim, que estariam eles, ao se candidatar, imediatamente após deixarem seus cargos, a se valer de um benefício decorrente da coisa pública, o que mais que justifica a previsão de instituição de uma “quarentena”. Afinal, um dos papéis do direito eleitoral é estabelecer regras que garantam equilíbrio à disputa e evitem a influência econômica e do poder político na eleição.
Alerta-se que as conclusões aqui expostas se destinam a juízes e promotores de um modo geral, e não a um promotor ou um juiz em específico. E mais: não se pretendeu criticar a atuação de juízes e promotores no combate à corrupção, o que é mais do que desejado e esperado. Também não há intenção de defender que a nova regra atinja situações pretéritas, o que se sabe, sempre foi o entendimento do STF, que no passado interpretou a Lei da Ficha Limpa, de modo a determinar sua incidência a fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor. A intenção foi a de deixar clara a legitimidade e validade da previsão em questão que, se aprovada, representará mais uma das boas contribuições do novo código eleitoral.
Luiz Gustavo de Andrade, advogado, mestre em Direito e professor da graduação e pós-graduação do curso de Direito da Faculdade de Direito de Curitiba (Unicuritiba), é membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-PR, da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Política (Abradep), do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral (Iprade) e membro fundador do Instituto Mais Cidadania.
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