História é mudança e mudanças são empurradas por ventos arejadores ou tufões malignos. Guerras, revoluções, catástrofes, pestes e delírios movimentam a crônica da humanidade, mas também devoções, sonhos, necessidades e quimeras produzem tremendos e perenes sacolejos. Nos dois casos – para o bem ou para mal –, são as circunstâncias, às vezes ínfimas, que decidem hora, natureza ou direção do deslocamento. Se enxergarmos tais circunstâncias como oportunidades e os agentes da mutação como instrumentos de vontades silenciosas, entenderemos como grandes ocorrências são incubadas em esferas pessoais e íntimas.

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O inesperado degelo nas relações Cuba-Estados Unidos anunciado simultaneamente pelos presidentes Barack Obama e Raúl Castro nesta quarta, 17 de dezembro, deverá alterar o mundo e mudar decisivamente o curso da história.

Impasses acumulados ao longo de meio século se refletiram em dois estadistas com temperamentos radicalmente opostos, porém igualmente marcados pela conjunção de idealismo e pragmatismo. Ausentes da solenidade televisiva, não podem ser ignorados dois outros admiráveis Quixotes, fabricados pela mesma argamassa de sonhos, decepções e a inquebrantável convicção de que dogmas existem para serem quebrados: o cubano Fidel Castro e o jesuíta argentino Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco.

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Outras surpreendentes aproximações aconteceram há pouco mais de quatro décadas: a viagem de Nixon-Kissinger à China em 1972 impôs uma triangulação que levou inevitavelmente à despolarização e ao fim da Guerra Fria, o que de fato aconteceu em meados dos anos 80 com a triunfal entrada em cena do russo Mikhail Gorbachev e suas inseparáveis bandeiras: Glasnost, transparência; e Perestroika, reconstrução.

Em 1977, o presidente egípcio Anwar Sadat provocou um frisson global ao anunciar sua disposição de visitar Jerusalém e, dois anos depois, ao assinar o primeiro acordo de paz entre um país árabe e o Estado de Israel, bem como firmar plenas relações diplomáticas. Apesar das turbulências à sua volta, continua respeitado.

Tanto no Brasil como no resto do mundo, o réveillon 2014-15 prometia desânimo e desesperança. A crise de 2008, apesar de bolhas intermitentes, continuava produzindo angústias, a fabricação de conflitos sobrepujava as iniciativas de paz, a imensa Ucrânia saía do anonimato para tornar-se símbolo das fragmentações, e o Velho Mundo trocava o vaticínio de parque temático pela alcunha de União das Intolerâncias.

Para completar o quadro de previsões, a avassaladora mediocridade da sociedade digital contaminando a fabricação de lideranças, baixando a produção e a qualidade das fantasias enquanto aumentava a oferta de aplicativos.

A partir da fragorosa derrota eleitoral em novembro, Barack Obama começou a dar sinais de que pretendia continuar no ringue: a nova lei imigratória, o acordo climático com a China, a libertação dos primeiros presos de Guantámano com a sua transferência para o Uruguai e, finalmente, o habilidoso acerto com Cuba graças ao suporte logístico-moral do Canadá e do Vaticano tiveram o efeito de uma injeção de adrenalina na veia.

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De repente, um formidável aumento de expectativas. De uma hora para outra ficou possível vencer isolamentos, cogitar convergências, respeitar adversários, pensar no impensável e sonhar o sonho impossível. O papa Francisco aniversariava naquele 17 de dezembro. O presente ganhamos nós. Alberto Dines é jornalista.

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