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O olhar dos agentes penitenciários sobre o sistema carcerário do Paraná

 | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
(Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo)

Muito se fala da situação crítica que nosso estado enfrenta com a superlotação das cadeias e penitenciárias, bem como as inúmeras rebeliões e a falta de estrutura. São muitas as opiniões, teses, reportagens e artigos que analisam o atual sistema carcerário do Paraná. Porém, poucas são as abordagens que mencionam o agente penitenciário neste cenário. Poucas são as que questionam “e como fica o agente nisso tudo?”

Atualmente, estamos com menos da metade do efetivo de funcionários necessário para atender o serviço penal com qualidade e segurança. Peça chave no dia a dia, o agente penitenciário, que sabe mais do que ninguém o que de fato acontece e como tudo funciona, nem sequer é incluído nas análises e menos ainda nos projetos e soluções governamentais, acadêmicas e do terceiro setor que são apresentados.

O último projeto apresentado pelo governo do estado do Paraná foi a construção de shelters – contêineres – para abrigar presos dentro das já existentes penitenciárias, como “solução” para diminuir o número de presos nas delegacias, bem como a superlotação nas celas.

Também desde 2012, existe um projeto estadual com verbas do governo federal (no montante de R$ 101 milhões da União e mais R$ 30 milhões do governo estadual) para ampliação, reformas e construção de presídios e cadeias, com a previsão de mais de 6 mil novas vagas para presos. Nenhum desses projetos inclui um planejamento para os agentes penitenciários. Ou seja, não há previsão para o aumento de funcionários em paralelo ao aumento de presos. E muito menos a realização de um concurso. O último deles ocorreu em 2015, para 590 vagas.

O que mais se ouve entre os agentes penitenciários que estão trabalhando é “quando irão mandar mais funcionários?”. Para se ter uma ideia bem concreta da atual situação: durante uma hora de pátio dos presos para o banho de sol na Penitenciária Estadual de Piraquara, quando estão reunidos centenas de detentos, há apenas um agente penitenciário para tomar conta de todos. E esta é uma realidade da maioria das outras unidades penais no Paraná.

Em 2016, o Sindicato dos Agentes Penitenciários do Paraná (Sindarspen) lançou a revista Operários do Cárcere – Diagnóstico sobre a saúde e as condições de trabalho dos agentes penitenciários do Paraná, com dados alarmantes. O material contou com pesquisas e entrevistas junto aos agentes, além de opiniões de profissionais das áreas da segurança e da saúde. Entre os dados mais preocupantes, destaca-se que o acúmulo de funções, sobrecarga no trabalho e a execução de atividades que não fazem parte das previstas ao agente são as razões pelas quais eles dizem sofrer pressão; 46,2% dos agentes (conforme índice da pesquisa realizada) têm diagnóstico de doenças relativas ao estresse. Problemas como hipertensão, depressão, ansiedade e insônia afetam 35,1% dos entrevistados.

Ao serem perguntados sobre infraestrutura e rotina, a precariedade dos equipamentos é um dos aspectos que mais incomodam a categoria. A insatisfação em relação a este quesito foi citada por 87,1% deles. E são ainda mencionados outros fatores que ocasionam insatisfação e estresse, como mudança de chefias, revisão salarial não concedida, jornadas com sobrecarga de trabalho, problemas de insalubridade, a falta de iluminação do ambiente de trabalho e o baixo número de efetivo, devido também a pedidos de licença médica recorrentes entre os colegas. A Divisão de Saúde e Medicina Ocupacional (Dims) emite anualmente relatório estatístico de doenças dos servidores públicos do Paraná. O relatório de 2014, ano anterior ao início da pesquisa, demonstrou que a maior parte dos afastamentos para tratamento médico dos agentes foi motivada por doenças ligadas a transtornos mentais, comportamentais e do sistema osteomuscular.

O que mais se ouve entre os agentes penitenciários que estão trabalhando é “quando irão mandar mais funcionários?”

Os males oriundos das atividades profissionais têm sido tema mundialmente debatido, até mesmo nas mais importantes instâncias internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Entretanto, no universo do trabalho dos agentes penitenciários quase nada dessa preocupação se transformou em ação para o enfrentamento de um problema tão recorrente no sistema prisional do país. No Paraná, essa constatação não é diferente. Numa herança histórica dos governos que se sucedem, a ação de atenção à saúde e à qualidade de vida do agente penitenciário tem ficado, muitas vezes, no campo da retórica e, outras vezes, no campo do abandono.

Além de todos estes dados envolvendo as condições de saúde afetadas pelas más condições de trabalho, temos um aumento de número de rebeliões. Entre 2013 e 2015 foram 28 rebeliões com 57 agentes feitos reféns. Em 2018, uma rebelião na Penitenciária de Ponta Grossa fez dois agentes reféns. Qualquer leigo, ao saber que apenas um agente penitenciário hoje é responsável, sozinho, por cuidar de centenas de presos num pátio de sol, levá-los novamente para as celas e ainda ser recrutado para outros serviços, compreende que as rebeliões podem vitimar fatalmente e são uma bomba a explodir. Não existem condições reais de garantir segurança à sociedade com um número de agentes reduzido.

Ao ser questionado sobre os problemas do sistema carcerário, o governo, por meio da Secretaria de Segurança Pública, fala em terceirizar a contratação de agentes. Não resolverá. É preciso que tenhamos um efetivo formado continuamente, sem rotatividade, para que possamos começar a pensar que o sistema carcerário do Paraná, apontado com um dos mais críticos do país, possa começar a sair desta crise.

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