Quando observarmos a história do Brasil colonial, quer do ponto de vista político, quer do ponto de vista cultural/educacional, os padres jesuítas aparecem em evidência. Em muitos meios, os jesuítas são apresentados como agentes da imposição da cultura europeia colonizadora sobre a cultura do indígena habitante das Américas. Essa avaliação não poupa nem mesmo o padre José de Anchieta, que o papa Francisco canoniza hoje.
Tal juízo, entretanto, representa projeções de um contexto posterior sobre um passado de conjunturas distintas. Não podemos aplicar ao contexto dos séculos 16 e 17 os conceitos de europeu e indígena no singular, identidades essas construídas a posteriori, motivadas por objetivos diferentes do que aqueles que circundavam as preocupações dos homens do denominado "período colonial".
Os colégios instituídos pelos jesuítas em São Paulo, Salvador e Rio de Janeiro seguiam o mesmo modelo dos colégios jesuítas em cidades da Europa. O objetivo era dar uma formação prévia às universidades (no caso dos aspirantes à Companhia de Jesus), ou para exercer algum ofício (no caso dos leigos). Ensinava-se gramática e retórica (leitura e escrita) em geral, diferenciando-se no ensino do latim e em aspectos específicos da espiritualidade e normas jesuítas para os aspirantes, e do ensino de ofícios manuais para os leigos.
Não foi somente nas vilas e cidades coloniais que os jesuítas buscaram atuar junto aos indígenas. Os religiosos também aventuraram-se em terras com menor presença do aparato administrativo e de povoadores europeus. Nesses locais, buscaram conviver com os habitantes nativos, aprendendo suas línguas e costumes. Aos poucos, foram formando com esses grupos indígenas um modelo de comunidade conhecido como "reduções jesuíticas". Nelas, mesclavam-se os modos de vida ibérico e guarani; os padres da Companhia mantinham um modelo de ensino semelhante ao dos colégios, com o ensino da gramática, das humanidades e dos ofícios manuais necessários ao modo de vida dos aldeamentos missioneiros.
Os jesuítas se destacaram em seu modelo missionário pela capacidade de adaptarem-se a distintos contextos culturais. A arte das reduções jesuíticas e o estilo musical do barroco andino demonstram como os jesuítas, junto com os indígenas, produziram uma arte que misturava elementos de culturas europeias e ameríndias. Anchieta, missionário jesuíta na região de São Paulo, tornou-se conhecido por ter escrito a primeira gramática da língua tupi-guarani e por seus autos, nos quais buscava apresentar a mensagem cristã para um contexto cultural de maioria indígena.
Pensar na atuação jesuítica como mero agente de uma massiva imposição cultural revela um equívoco na concepção de uma unidade política e cultural europeia que era inexistente no contexto pré-iluminista, além de sugerir, de forma implícita, uma visão passiva dos indígenas, desconsiderando-os como sujeitos históricos. Para entendermos as relações entre os jesuítas e indígenas na história do Brasil colonial, é necessário que lembremos primeiramente que os encontros culturais não são de mão única, dado que as culturas influenciam-se mutuamente.
Rafael de Mesquita Diehl, mestre em História pela UFPR, é professor de História no ensino fundamental. Roberto da Silva Iglesias Cajaraville, graduado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) é membro do Instituto Aquinate.
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