Existe uma relação entre os conflitos de uma sociedade e a importância de seu Poder Judiciário. Numa sociedade utópica, livre de conflitos, pouco protagonismo social teriam seus magistrados. Vale dizer que a Justiça não é feita apenas de juízes, pois ela depende de advogados, promotores, estatísticos, psicólogos, médicos, assistentes sociais e peritos das mais diversas áreas do conhecimento, além de administrativos, seguranças, motoristas, recepcionistas e secretárias. E seria possível administrar a justiça sem a limpeza pública e sem água, energia, internet e telefonia? Quando se trata do funcionamento do Estado, todos são importantes. É preciso mobilizar muitos recursos para tratar as patologias das relações sociais.
A intervenção do Judiciário nos conflitos levados ao seu crivo certifica a falência do diálogo social. Vivemos uma espécie de epidemia em que o “ficar de mal” entre gente grande bate primeiro às portas do judiciário antes mesmo das partes trilharem o diálogo direto. O processo judicial é transformado num palco para o exercício de comportamentos vingativos e destrutivos das partes. O número crescente de litígios no judiciário interfere na qualidade dos julgamentos, prejudica a celeridade e atenta contra uma prestação jurisdicional eficiente e satisfatória e, mais grave do que isso, sequestra a qualidade de vida dos julgadores que se veem sufocados e frustrados, pois anteveem um futuro ainda mais caótico. A saúde dos operadores do direito deveria ser cuidada ao invés de escravizada pelo Estado.
A sociedade adoecida incentiva a consumismo, o hedonismo e desqualifica as suas instituições
Não se trata apenas da saúde do corpo, mas da mente e das relações sociais, como preconiza a Organização Mundial da Saúde. A despeito disso, o Estado enxerga como única solução uma progressiva compensação salarial, algo que representa mais uma espécie de adicional por insalubridade incorporado do que políticas públicas concretas que garantam aos magistrados uma carga de processos adequada e não desumana.
Num efeito cascata, os cursos de Direito permanecem com uma orientação curricular fortemente valorizadora do litígio e infimamente voltada às relações humanas, à psicologia e às negociações extrajudiciais e às transações. O abarrotamento do Judiciário vem sendo tratado como doença e não como sintoma de um sistema social que beira ao colapso. Culpa-se o doente por sua doença. O Estado permanece como o maior cliente e beneficiário do Judiciário. Políticos incompetentes e de duvidosas intenções causam danos à sociedade, mas a conta, quando cobrada, será apresentada às futuras gestões.
A sociedade adoecida incentiva a consumismo, o hedonismo e desqualifica as suas instituições. Há pouco incentivo ao diálogo, ao respeito ao próximo e às ações que levavam crianças a “fazer as pazes” no jardim de infância. Em que ponto entre a infância e a vida adulta a sociedade se perdeu? Os operadores do Direito estão adoecendo por conta de um sistema intencionalmente criado para a manutenção do caos. A sociedade clama por profissionais que se sintam realizados ao invés de escravizados. O dinheiro é fundamental, mas ele por si só não compra o bem-estar dos magistrados. Um juiz saudável profere decisões saudáveis. E é importante perceber que quanto mais doente está uma sociedade, maior importância terá o papel de seu Poder Judiciário.
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