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 | Nelson Jr./SCO/STF
| Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Parece final de campeonato. Imprensa noticia intensamente a data e hora do embate, analisa o perfil de cada jogador. Comentaristas projetam a disputa e o resultado. A cada decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) com potencial de interferir nos trabalhos da força-tarefa da Lava Jato, em Curitiba, os holofotes brilham com máxima intensidade sobre a corte. O problema é que o excesso de luz, não raro, acaba ofuscando a visão de todos. A recente decisão acerca da competência da Justiça Eleitoral para julgar crimes eleitorais e crimes a eles conexos é exemplo desse fenômeno.

O envolvimento da mídia e do grande público em decisões judiciais não é em si nociva. A questão fundamental, contudo, parece residir no deslocamento para o STF da arena própria para a disputa. Isso porque o canal do debate jurídico é delimitado por regras e princípios postos no texto constitucional. Não por outro motivo, deve haver uma calibragem nas expectativas geradas por decisões judiciais.

Ainda que não se trate da aplicação cega da lei ao caso concreto, não é possível que o julgador escolha a solução preferida para depois encontrar fundamentos que a justifiquem. Pior ainda, não se pode decidir com base em argumentos desconectados da ordem jurídica vigente. Democracia exige respeito às regras do jogo, as quais se encontram plasmadas no texto constitucional. Goste-se ou não delas, seu respeito é pressuposto para a manutenção da civilização construída no Brasil ao longo dos séculos.

Não é possível que o julgador escolha a solução preferida para depois encontrar fundamentos que a justifiquem

Isso não significa dizer que já atingimos o suprassumo da virtude, com um ordenamento jurídico-constitucional capaz de atender e solucionar de forma perfeita todos os conflitos e mazelas sociais do país. Pelo contrário. Mas o caminho para tanto é o debate político realizado por políticos com argumentos políticos na arena política.

Acontece que é justamente a fundada descrença no mundo político que transferiu paixões e esperanças ao Supremo Tribunal Federal. Afinal, políticos corruptos jamais travarão debates cujo resultado possa diminuir seus benefícios, limitar suas garantias ou ampliar o combate a seus desvios.

O ceticismo nos políticos e no direito por eles criado ao longo de nossa história não pode, contudo, gerar seu abandono. Precisamos de políticos e precisamos do direito. Apenas por meio deles é que as mudanças podem ocorrer. A soberania popular consagrada nos textos constitucionais modernos traz os mecanismos para que isso aconteça. Tanto que grande parte das casas legislativas tiveram importante renovação, gerando expectativa de que os novos representantes promovam as mudanças necessárias.

No mais recente julgamento midiático do STF, tão clara quanto a falta de estrutura da Justiça Eleitoral para julgamento de crimes complexos é a previsão constitucional e legal da competência da Justiça Eleitoral para julgamento dos crimes correlatos a delitos eleitorais.

Opinião da Gazeta: Combate à corrupção, o grande derrotado no STF (editorial de 15 de março de 2019)

Leia tamb ém: Criando um tabu (editorial de 9 de março de 2019)

Isso não significa que não seja legítima e salutar a manifestação de todos os envolvidos na questão, em especial dos membros da força-tarefa da Lava Jato. Mas, uma vez não sufragada a tese pelo órgão máximo do Poder Judiciário, cabe à sociedade e à imprensa levar o brilho dos holofotes para o Congresso Nacional. Lá, ainda que os limites da Constituição também prevaleçam, a amplitude da argumentação é maior e o resultado tende a agradar mais cidadãos.

Que a população passe a conhecer os partidos, seus líderes, suas ideias e suas bandeiras como hoje conhecem cada um dos ministros do STF. Que as discussões no Legislativo sejam transparentes e transmitidas ao vivo, que os legisladores sejam criticados e percam votos por suas opiniões. Que o Poder Legislativo recupere seu papel de representação e criação do direito, conforme previsto pela Constituição.

E que o STF exerça sua função iluminista nesse processo. Não para arvorar-se em criador de uma nova ordem jurídica demandada pela maioria da sociedade, mas para manter fidelidade ao texto constitucional, fazendo com que os holofotes sejam direcionados a quem de direito.

Fernando Mânica é doutor em Direito do Estado pela USP e professor do mestrado em Direito da Universidade Positivo.
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