A Biblioteca Digital Mundial, iniciativa da Biblioteca do Congresso Americano com apoio da Unesco e a participação de mais de 30 importantes bibliotecas espalhadas pelo mundo, pode ser considerada um presente para a humanidade. Onde quer que você esteja, pode ter acesso a verdadeiros tesouros do conhecimento preservados e disponibilizados graças à tecnologia digital.
A biblioteca já conta com 20 mil títulos em português, e permite visualizar imagens raras, como a Bíblia de Gutenberg. Ao saudar essa iniciativa generosa de compartilhamento de maravilhosas obras antes inacessíveis, me vem à mente a longa trajetória que elas percorreram até chegar aos nossos dias e cruzar a fronteira do mundo físico para o mundo virtual.
Livros raros, que resistiram ao tempo e a todo tipo de ameaça, foram trazidos até nós por iniciativas tão árduas como a criação da Biblioteca Digital
Tal proeza tem ainda maior valor quando conhecemos um pouco da história das guerras, pestes e destruições por que passou a humanidade. Milhares de bibliotecas foram queimadas e destruídas, e muito do conhecimento original se perdeu. O incêndio da Grande Biblioteca de Alexandria, que guardava o maior acervo de obras do mundo antigo, embora eloquente, é apenas um dos exemplos que podem ser citados – e que, infelizmente, continuam acontecendo, como nos lembram as queimas de livros promovidas pelos nazistas numa Europa arrasada pela guerra.
Apesar das imensas dificuldades de conservação, essas obras só puderam ser oferecidas ao público por causa dos livros onde estão escritas. Livros raros, que resistiram ao tempo e a todo tipo de ameaça, foram trazidos até nós por iniciativas tão árduas como a criação da Biblioteca Digital, ou seja, pelo incansável trabalho de bibliotecários que cuidaram delas.
Recolher e produzir o conhecimento, escrevê-lo em folhas de papel e agrupá-las no formato de livro é a prática que deu origem a toda essa proeza. Em sua gênese está a humilde folha de papel. Foi em folhas de papel que milhões de crianças aprenderam a ler e agora podem obter e apreciar melhor a cultura e o conhecimento. Foi numa folha de papel que as declarações de independência de tantos países foram escritas; que tratados de paz puseram fim a guerras intermináveis no campo de batalha; que as leis ordenaram a vida social, protegeram os mais fracos, preservaram os patrimônios e a própria história.
Desde sua criação, na China Imperial, no ano 105 da era cristã, o papel presta inestimável serviço à causa do progresso e da evolução da sociedade humana. Foi ele que constituiu a plataforma que abrigou e a ponte por onde passou a maior parte do conhecimento produzido pela humanidade. Foi nele que os monges escreveram seus manuscritos, que os governantes ditaram suas ordens, as religiões firmaram sua doutrina e os magistrados, suas leis.
- Em suportes impressos ou digitais, o valor da boa leitura (artigo de Jacir Venturi, publicado em 5 de outubro de 2019)
- Recuperando a capacidade de ler com Dante Alighieri (artigo de Fausto Zamboni, publicado em 24 de setembro de 2018)
- A literatura é inútil? (artigo de Pedro Miquelasso, publicado em 17 de junho de 2019)
Hoje mesmo, quando um presidente assina um decreto, sanciona uma lei ou faz um acordo internacional, podemos ver na cobertura de imprensa, no momento da assinatura, a presença das pastas com papel e as canetas que percorrem as folhas com gestos teatrais. Os grandes acontecimentos que impactam a vida de nações, povos e regiões ainda requerem folhas de papel para ter existência legal.
Num momento em que vivemos a acelerada transição do mundo físico para o mundo virtual, vale a pena lembrar e prestar nosso respeito a um produto tão simples e fundamental, de cuja importância muitas vezes esquecemos, mas que faz parte de nossas vidas. Embala os produtos que consumimos, ensina nossos filhos as primeiras letras, recebe seus primeiros desenhos e nos proporciona o prazer de ler de uma forma que jamais será superada.
Fábio Mestriner, designer e professor da pós-graduação em Engenharia de Embalagem do IMT Mauá, é consultor da Ibema Papelcartão.