Passamos semanas inteiras fixados no céu, tentando identificar a forma das nuvens, força e direção dos ventos, descrentes das charmosas e perplexas "moças do tempo". Os privilegiados caiçaras, praianos, acrescentaram às rotinas diárias a tarefa de perscrutar o mar, a cor e a temperatura da água e os que foram escoteiros na infância, ou na juventude decoraram as apostilas de meteorologia para tirar o brevê de piloto ou paraquedista, transformaram-se em profetas climáticos. "Estou sentindo o cheiro de chuva" deixou de ser uma constatação exclusiva dos esotéricos. Com os narizes cada vez mais entupidos pela poluição urbana, tentamos retornar às origens rurais para reencontrar o tempo passado.

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Ou o paraíso perdido. Não o inspirado épico composto pelo libertário John Milton (1608-1674), mas o do viajante e navegador italiano Américo Vespucci, que, aportando ao Litoral brasileiro em 1501, decretou que aquele era o paraíso terrestre. Filial do Éden, Canaã tropical, copiosa, exuberante, infinita, inesgotável.

Se foi, já não é. O país do futuro não está no brejo, porque os brejos secaram, empedrados, áridos. A prolongada estiagem nos trouxe de volta ao mundo real, tornamos a fazer parte do mesmo planeta impiedosamente espoliado que no Hemisfério Norte produz em simultâneo um inverno excepcionalmente implacável.

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Ansiosos para buscar um culpado pelo calor, não nos damos conta de que os culpados somos nós. Consideramo-nos diferentes, filhos prediletos de Deus e da Natureza, desprezamos as aflições e lições alheias. Sem convicção, fomos acumulando modas e leis importadas, algumas de última geração, sem levar em conta que antes – bem antes – é preciso torná-las ardentemente desejadas. Caso contrário, serão descartadas. Como agora.

Nosso paraíso continua onde sempre esteve, nós é que nos extraviamos. Iludidos por uma bonomia que não resiste a um placar desfavorável no futebol ou a um revés na reunião de condomínio, seguimos impávidos, onipotentes, triunfantes, despojados de qualquer senso trágico, certos de que os viajantes extasiados do passado estavam certos.

Estavam, mas o tempo passou. Infalíveis, jamais nos preocupamos em prevenir as catástrofes sazonais, e agora estamos diante de outras – a desertificação, a seca, vendavais. Grande parte do país está rezando para chover, esquecido dos devastadores efeitos dos periódicos dilúvios anteriores.

País-criança – eterna criança – mimado, caprichoso, descuidado. Era dono de um paraíso e o perdeu. Ganhou uma democracia e não sabe o que fazer com ela.

Alberto Dines é jornalista.

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