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Os recentes escândalos da Assembleia Legislativa do Paraná, que vieram a público através de um serviço exemplar de cidadania prestado pela Gazeta do Povo e pela RPC, comprovam que ainda somos açoitados por três vícios seculares: o nepotismo, o patrimonialismo e o clientelismo. Na Assembleia o trato da coisa pública vai em direção inversa à racionalização. Com um orçamento para o ano de 2009 de R$ 319 milhões nas mãos dos senhores deputados, essas práticas denotam uma má gestão dos nossos recursos públicos que direta ou indiretamente afeta toda a economia paranaense. Valores de cunho basicamente emocionais e afetivos tomaram o lugar das virtudes e do justo. Fica evidente o quanto a história do estado do Paraná confunde-se com a de nosso país, pois tem as mesmas origens e mazelas.

A transformação do Brasil em sede da coroa portuguesa foi um acontecimento marcante na formação da burocracia estatal. Entre 10 mil e 15 mil pessoas acompanharam o príncipe regente ao Rio de Janeiro, sede do Brasil colônia à época. A maioria da comitiva era composta por funcionários da corte portuguesa e serviçais que passaram a desempenhar funções similares na colônia. Além dos vícios administrativos já citados e a herança do empreguismo, podemos atribuir aos nossos colonizadores um sentimento chamado de "transoceanismo", termo que o historiador João Capistrano definiu como o desejo do colonizador europeu fazer fortuna o mais depressa possível para desfrutar no além mar. Este desamor por nossa terra, este sentimento apátrida, gerou frutos que se perpetuaram na formação da nação brasileira através de suas instituições públicas.

O primeiro grande mal, o nepotismo, é claríssimo neste escândalo paranaense. Esta política nociva também era defendida pelo ex-chefe do poder executivo paranaense. Um exemplo dentre os inúmeros denunciados: a contratação de 20 parentes de um único diretor da Assembleia Legislativa; e o pior, nenhum dos integrantes da Assembleia vê nesse fato qualquer problema. No clássico "Raízes do Brasil", Sérgio Buarque de Hollanda demonstra que é através desse comportamento social, em que as relações são edificadas via laços consanguíneos ou de interesses privados, que residem os principais obstáculos à aplicação das normas de justiça.

O clientelismo, por sua vez, é um tipo de relação política em que uma pessoa dá proteção à outra (o cliente) em troca de apoio, estabelecendo-se um laço de submissão pessoal que, por um lado não depende de relações de parentesco e, por outro, não tem conotação jurídica. Em outras palavras, o clientelismo é a utilização dos órgãos da administração pública com a finalidade de prestar serviços para alguns privilegiados em detrimento da grande maioria da população. O clientelismo tem a finalidade de amarrar politicamente o beneficiado. O grande objetivo dos intermediários é o voto do beneficiado ou dinheiro. Os atuais fatos relatados pela série "Diários Secretos" demonstram inúmeras trocas de favores, ainda que sejam nas contratações cruzadas de parentes ou protegidos.

Finalmente, o mal que talvez seja precursor dos demais males citados, o patrimonialismo. O termo foi cunhado por Max Weber, um dos pais da sociologia. Trata-se de uma forma de dominação política comum em regimes absolutistas, em que o governante não diferencia bens particulares de públicos, tratando a administração como assunto pessoal. Sérgio Buarque afirma que a origem do patrimonialismo brasileiro estaria ligada à concepção de "homem cordial", que caracterizaria o típico indivíduo brasileiro com seu caráter de afabilidade, referência de seu ambiente familiar. Uma cordialidade que, segundo este autor, serve de disfarce para suas verdadeiras intenções, que consistem em abranger todos em seu círculo familiar de maneira a mantê-los sob seu controle e, por conseguinte, manter sua supremacia social sobre os demais. Parece até que o historiador referia-se ao próprio escândalo paranaense ao descrever a tal "cordialidade".

A coisa pública no Paraná é reflexo do espírito que norteou a vinda dos primeiros colonizadores a estas terras. O comportamento predador, extrativista e usufrutuário impregnou também a coisa pública. A percepção de vastidão e do aparente infinito recurso natural misturou-se à impunidade e a leniência, permitindo ao agente público agir com descaso, irresponsabilidade e proveito puramente próprio sem a preocupação com o dia de amanhã.

Falta ao poder público paranaense entre outras coisas, o princípio da impessoalidade, fundamento das organizações burocráticas eficientes. E talvez falte a nós, paranaenses e brasileiros, conhecer melhor nossas raízes, para não repetirmos alguns erros. O diagnóstico está aí, escrito há quase um século e infelizmente ainda dolorosamente atual. O patrimonialismo, o nepotismo e o clientelismo são de maneira corporativa e oligárquica preservados há gerações no Paraná. O que ocorre nesse momento na terra dos pinheirais nada mais é do que uma espécie de legado de práticas medievais. Não podemos ser omissos, isso precisa acabar.

Giem Guimarães é diretor-geral da Posigraf

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