Quando cheguei ao Brasil, há cerca de dez anos, fiquei impressionada com a floresta, na região de Iguaçu, um dos ecossistemas mais ricos do planeta. Também fiquei perplexa em ver como é possível não aproveitar esse enorme potencial. Sou da Namíbia, país que declarou como área protegida 42% do seu território para o ecoturismo de alto padrão. Aqui no Paraná, temos riquezas ainda maiores, mas não aproveitamos, visto que nossa infraestrutura ecoturística encontra-se em sua infância.
O Paraná possui uma extensão de 199.729 km², dos quais 84,7% estavam originalmente cobertos pela Mata Atlântica. Ao pensar em números é realmente algo surpreendente: um estado admiravelmente verde e rico em fauna e flora. Mas um dado muito triste apontou o Paraná como um dos mais destruidores da Mata Atlântica, e nos últimos 30 anos foi a região que mais desmatou no país. Hoje, restam 11% da cobertura florestal original e espécies estão se tornando extintas. É uma onda de extinções crescente.
O desaparecimento de uma espécie leva múltiplas outras mais próximas à extinção. Cada ser vivo depende de outros para sobreviver. Isso inclui os seres humanos, que também encontram-se dentro dessa cadeia, dependendo das águas geradas pelas florestas, dos polinizadores, dos invertebrados que mantém a saúde do solo que utilizam para agricultura. Estamos ultrapassando os limites do que um ecossistema consegue sustentar.
A valorização do que nós temos agrega diversificação econômica para o Paraná
Na hora de comprar um celular todos acreditam na ciência. Na hora de aceitar o mesmo método para reconhecer uma realidade igualmente válida – como mudanças climáticas ou colapso da biodiversidade –, nós o ignoramos, muitas vezes encarando-o como fato inconveniente, mesmo dependendo do clima e da biodiversidade para sobreviver. A degradação dos ecossistemas da Mata Atlântica e as consequências disso são igualmente tão prováveis e óbvios em termos científicos quanto o funcionamento do seu celular.
Mas este fato é inconveniente, e por consequência descartado, porque o lado positivo da moeda não é amplamente conhecido. Aqui no Paraná, a iniciativa recente da formação da Grande Reserva da Mata Atlântica está mostrando um caminho sustentável, como a qualidade de serviços e de experiência do Parque Nacional do Iguaçu, que agrega valor à economia local.
Na Costa Rica, todo taxista, recepcionista, guia de turismo sabe dizer que o país abriga 6% da biodiversidade do mundo. A Mata Atlântica tem 8%. Mas quem no Paraná sabe disso?
A valorização do que nós temos agrega diversificação econômica para o Paraná e a oferta de algo bastante raro no planeta, que é uma floresta magnífica. Essa floresta é prezada pelos mercados de turismo sustentável, de turismo proposital, de aventura, de birdwatching (observação de pássaros em seu habitat natural), todos mercados crescentes, e capturamos uma porcentagem minúscula.
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O Parque das Aves, cuja missão é a conservação de espécies, se mantém através do turismo sustentável, mas serve também de exemplo de como a floresta conservada e restaurada é um ímã forte para o turismo, sendo um dos mais bem avaliados atrativos do Brasil. Mais de 830 mil visitantes por ano passam por uma experiência imersiva sobre o bioma e as suas aves. A floresta foi imprescindível para isso.
A falta de compreensão estende-se dentro da própria indústria de turismo paranaense. Nos últimos dois anos, vimos dezenas de hectares sendo destruídos em terrenos beirando a famosa Rodovia das Cataratas, que leva turistas às Cataratas do Iguaçu. Uma empresa compra um terreno, ‘limpa o mato’, retira a floresta e depois constrói. O que este empreendimento tem a oferecer que qualquer outro local no mundo não possa reproduzir? Alavancando o que nós temos, as experiências criadas são tão diversas como o próprio bioma. E o tamanho deste mercado não é pequeno.
Nós temos algo único, mas precisamos parar de "limpar o mato". Existe um fato simples: a floresta não pode sobreviver sem a ampliação de áreas protegidas, as Áreas de Preservação Permanentes (APPs), as Unidades de Conservação (UCs), pois num contexto de um bioma que teve 91,5% de sua cobertura original destruída, já estamos à beira do colapso ecossistêmico.
Estes ecossistemas precisam ser protegidos e muitas vezes deixados realmente intocados para a sobrevivência do bioma como um todo. O que foi perdido de floresta primária não pode ser recuperado, mas tem impacto em tudo que resta. Governo e iniciativa privada precisam trabalhar de mãos dadas.
Carmel Croukamp é diretora-geral do Parque das Aves.
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