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O Paraná que ainda queremos

 | Marcos Tavares/Thapcom
(Foto: Marcos Tavares/Thapcom)

Em 2010, a Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná liderou a extraordinária campanha “O Paraná que Queremos”. Como presidente da OAB-PR à época, junto com colegas de dezenas de outras instituições que estiveram conosco naquela caminhada, tínhamos a certeza de que estávamos colaborando para a construção de um estado mais ético, transparente e honesto. Por isso, a notícia de uma decisão tomada pelo Tribunal de Justiça do Paraná no último dia 16 de agosto acendeu um sinal de alerta.

Passados oito anos da maior mobilização anticorrupção até então ocorrida em nosso estado, motivada pelas reportagens da série Diários Secretos – veiculada pela Gazeta do Povo e pela RPCTV e que revelaram um escandaloso sistema de corrupção dentro da Assembleia Legislativa –, os desembargadores anularam a sentença de dois diretores da Alep condenados a 23 anos de prisão porque teriam viabilizado a contratação de funcionários fantasmas, causando prejuízo de milhões de reais aos cofres públicos.

No entendimento dos desembargadores, porém, uma operação de busca e apreensão realizada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) não poderia ter sido autorizada por um juiz de primeiro grau, tendo em vista que as provas coletadas poderiam incriminar deputados estaduais – que, por causa do foro privilegiado, devem ser julgados apenas pelo próprio Tribunal de Justiça.

O estarrecimento se dá, primeiro, porque, quando tal operação foi realizada, nem sequer havia, dentre os investigados, algum detentor de foro privilegiado. No caso, os magistrados acataram a tese de que, simplesmente pelo fato de a investigação ocorrer dentro da sede do Legislativo estadual, esta poderia em algum momento encontrar evidências que implicassem deputados estaduais, que só podem ser julgados pelo TJ – portanto, desta forma, tais diligências jamais poderiam ocorrer por ordem de magistrados de primeira instância.

O estarrecimento se dá, primeiro, porque, quando tal operação foi realizada, nem sequer havia, dentre os investigados, algum detentor de foro privilegiado

Instituiu-se no Paraná uma grande novidade: a concessão do foro privilegiado como argumento de defesa até mesmo àqueles que não têm direito algum a tal privilégio.

O caso deixa patente que o instituto do foro privilegiado deve ser repensado urgentemente. Não é possível que provas sejam ignoradas simplesmente pela mera possibilidade de que alguma autoridade possa ser incriminada no futuro.

Quando se sabe que a prerrogativa de foro beneficia mais de 50 mil pessoas no Brasil, vê-se que a janela aberta para a impunidade é muito larga. Urge rever e eliminar o foro especial, salvo situações excepcionais, restritas aos chefes dos poderes da República e aos ministros do Supremo Tribunal Federal.

No caso dos Diários Secretos, estas mesmas provas que levaram à condenação servidores da Alep também incriminaram diversos outros réus. Não é difícil de imaginar que todos eles, agora, recorrerão à mesma tese de defesa. E, assim, o maior caso de corrupção descoberto na história do nosso estado corre risco de prescrição, outra figura jurídica a merecer estudo e revisão.

O ministro Luís Roberto Barroso cita que, no âmbito do STF, existem mais de 500 processos envolvendo pessoas beneficiadas com a prerrogativa de foro. Além de atrasar os trabalhos daquela corte – veja-se o caso da Ação Penal 470, o processo do mensalão –, isso leva o descrédito ao Judiciário, com a real chance de prescrição em muitos deles. O que dirá no resto do Brasil, onde os processos arrastam-se por anos a fio, tanto mais quando estão em jogo, por via direta ou indireta, casos de personalidades políticas. O Paraná não é exceção nesse cenário, como se pode ver no caso da Assembleia Legislativa.

Obviamente, defendemos o sagrado direito à ampla defesa. Mas o foro privilegiado, ao eliminar diversas idas e vindas de processos e o trâmite por várias instâncias, deveria justamente servir para dar celeridade à tramitação. O que acontece, porém, é justamente o contrário.

A brecha para que acusados por grandes escândalos de corrupção no setor público possam escapar sem punição será um péssimo exemplo à sociedade. E, se o crime passa a compensar por falha das instituições, será ainda mais difícil esperar que elas gozem da confiança dos cidadãos. Diga-se também que, no caso comentado, o Ministério Público, tão rápido e prestativo nas suas reivindicações corporativas, salvo algumas louváveis exceções não usou a sua energia para acelerar o andamento dos processos, como lhe competia.

Lá em 2010, quando foi criado, o movimento “O Paraná que Queremos” conseguiu um feito inédito: unir de forma espontânea a sociedade organizada, em uma união indelével. Junto com a OAB estavam dezenas de entidades empresariais, associações de classe, sindicatos patronais e até mesmo sindicatos de trabalhadores – mas, principalmente, o cidadão comum. Todos guiados por uma única bandeira, todos indignados com os desvios, os funcionários fantasmas, a inexistência de registros, os diários secretos e diversas outras modalidades criadas para a apropriação de recursos dos contribuintes.

A brecha para que acusados por grandes escândalos de corrupção no setor público possam escapar sem punição será um péssimo exemplo à sociedade

De lá para cá, bem sabemos que avanços aconteceram. Mas ainda estamos longe do ideal no que tange à transparência de nossos órgãos públicos, à lisura no tratamento do dinheiro dos contribuintes e à celeridade da Justiça em escandalosos casos de corrupção. As exigências que todos os segmentos da sociedade paranaense fizeram há oito anos ainda estão longe de serem cumpridas. Ainda não conseguimos vislumbrar esse Paraná que queremos.

A anulação da pena dos dois ex-diretores da Alep e a ameaça concreta de prescrição no caso dos Diários Secretos acende um sinal de alerta. É preciso retomar aquela mobilização. Nossas instituições precisam voltar a gritar em uníssono por ética, probidade e justiça, de forma constante e permanente.

Todos os cidadãos também devem ser conclamados a participar, a engrossar o coro contra a corrupção e a impunidade. E, principalmente, a fazer as escolhas certas nas eleições de outubro próximo – especialmente para o Congresso Nacional, pois é ele que pode mudar os destinos deste grande país. É preciso que nossos novos representantes sejam porta-vozes do modelo de Estado que pleiteamos, no qual a justiça social seja tão importante quanto a honestidade de propósitos e de ações dos nossos representantes. É preciso votar com a razão, analisando currículos, conhecendo o passado e as promessas de cada candidato. Não há outra maneira de exercermos o direito de construir um Estado melhor.

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