O único acerto do presidente Michel Temer na nomeação de Alexandre de Moraes como ministro do STF foi preencher a vaga na corte com um constitucionalista. A ideia original da Constituição de 1988, ao estabelecer dois tribunais superiores, era que um fosse uma corte suprema (o STJ) para dirimir em última instância questões penais, civis, administrativas, laborais etc.; e o outro (o STF), uma corte constitucional, para dirimir questões relativas à interpretação da Constituição (embora não seja isso o que vem acontecendo – basta perceber que o STF tem julgado os processos penais mais importantes da história da República).
Portanto, quanto mais juristas de formação constitucional na composição do STF, melhor. Faria sentido buscar, no longo prazo, um STF com 11 constitucionalistas. Há muitos nomes de mais relevo que Alexandre de Moraes entre constitucionalistas, mas o seu tampouco é desprezível. Seu livro Direito Constitucional já alcançou a 32.ª edição e é considerado um best-seller; ele é professor da USP, onde se formou e se doutorou em Direito do Estado, e livre-docente em Direito Constitucional. Considerando que no STF figura quem não conseguiu aprovação em concurso público e nem possui titulação alguma, se Moraes não é a melhor indicação técnica, tampouco seria o menos ilustrado da corte.
Há, portanto, um breve acerto na nomeação. A questão é que este acerto é o primeiro e último. Na verdade, o único! Os demais aspectos técnicos e políticos do fato compõem um verdadeiro mar de erros. Antes de mais nada, é curioso que Moraes aceite a nomeação, já que em sua tese doutoral defendeu ser inadequada a nomeação para o STF de ocupante de cargo de confiança do presidente em exercício. O ministro não faz o que prega?
Quanto mais juristas de formação constitucional na composição do STF, melhor
Para Temer, a nomeação corresponde às suas características: primar pela conveniência e oportunidade. Moraes vinha se tornando um incômodo no Ministério da Justiça, por demonstrar incapacidade em enfrentar a crise penitenciária e ao antecipar publicamente a realização de mais uma fase da Lava Jato por pura bazófia. Retirá-lo do ministério era uma prioridade para Temer, e a solução mais lógica foi premiá-lo com a cadeira no STF.
Mas a escolha é criticável por muitos outros fatores. Primeiro, porque o nomeado possui amplo envolvimento político. Foi filiado ao PSDB e ocupou vários cargos por nomeações políticas desde que deixou o MP: além de ministro, foi secretário estadual (em duas ocasiões) e municipal. Isso expõe uma face política indesejável em um cargo que exige imparcialidade. Sem falar que, no exercício da atividade pública, Moraes ainda revelou uma face agressiva e destemperada, no comando de uma PM responsável por um em cada quatro homicídios em 2015 no estado de São Paulo, e pelo uso de bombas e balas de borracha para conter protestos de movimentos sociais. Nada mais contraditório que dar o lugar de intérprete da “Constituição Cidadã” para alguém identificado justamente com o oposto da cidadania: a repressão.
Mas não é só isso. Seu escritório de advocacia já defendeu o ex-deputado Eduardo Cunha e uma cooperativa de transporte que foi identificada, mais tarde, como um dos braços de lavagem de dinheiro do PCC. Claro que todos têm direito a uma ampla defesa e não se julga o advogado pelo cliente, mas parece inadequado, ao menos em termos de imagem, nomear para o STF um nome que tenha vinculação com tudo o que é mais execrado pela população brasileira.
A tarefa gigante que recai sobre os ombros de Alexandre de Moraes é a de demonstrar que quem assume a toga de ministro do STF suprime toda a relação político-partidária e todas as tendências e preferências pessoais para converter-se em voz viva da Constituição. Será que o peso do texto democrático terá poder suficiente para fazer brotar no novo ministro a figura do constitucionalista e colocá-la acima de tudo o mais que cerca esta nomeação? Somente ele pode responder, e não com palavras ou discursos, mas com sua postura nos julgamentos que virão.
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