O governo e a Petrobrás anunciaram, com certo estardalhaço, a descoberta de reservas de petróleo e gás. A cotação das ações da Petrobrás subiu em disparada, voltando a cair após a euforia. As notícias garantem que há reservas abundantes, equivalentes a 65% de todas as reservas brasileiras identificadas. As vozes mais otimistas começaram a afirmar que, de importador, o Brasil pode virar exportador dos derivados de petróleo.
Independentemente da discussão sobre o real tamanho da descoberta e da importância que ela pode representar para o Brasil, há um ponto sobre o qual nada foi dito na imprensa falada e escrita: o perigo de que sejamos acometidos do mal conhecido como "doença holandesa". Trata-se de questão que intriga os economistas há muito tempo, cuja explicação ainda não foi completada. É a constatação de que países com abundância de recursos naturais, como a Nigéria e a própria Venezuela, não tenham conseguido sensíveis melhorias na produção de riqueza e no padrão de bem-estar das suas populações, enquanto nações relativamente pobres em recursos; a exemplo de Coréia do Sul, Hong Kong e Japão; conseguem, pelo esforço e sacrifício, superar as carências naturais, crescer e melhorar as condições sociais.
Alan Greenspan, ex-presidente do Banco Central dos Estados Unidos, arrisca duas explicações iniciais possíveis. Uma é que, ao se tornarem exportadores dos produtos naturais abundantes, petróleo, gás natural, cobre, minérios etc., esses países têm o preço da sua moeda aumentado frente às moedas estrangeiras, tornando menos competitivos os demais produtos de exportação. A conseqüência é um atrofiamento das atividades dos outros produtos, fazendo que o país não se desenvolva por inteiro. A "doença holandesa" foi o apelido atribuído ao mal que acometeu a Holanda na década de 1970, para descrever as dificuldades do setor industrial daquele país depois da descoberta de gás natural. Nessa mesma época, o ministro do Petróleo da Venezuela, Juan Pablo Pérez, prevendo esse problema, afirmou: "Daqui a dez ou vinte anos, vocês verão: o petróleo será a nossa ruína".
A segunda explicação para esse mal é que a abundância de recursos naturais cria "efeitos incapacitantes" na sociedade e no governo, transformando um país rico de recurso em um país pobre de riqueza. Não se trata de um jogo de palavras: recurso é o que natureza nos dá; riqueza é o recurso transformado em produto consumível. Greenspan lembra que alguns países produtores de petróleo do Golfo Pérsico oferecem tantas comodidades e amenidades a seus cidadãos que acabam por embotar a criatividade e induzir ao ócio. É a tal "maldição do petróleo".
O Brasil está experimentando, ainda que em dose reduzida, o efeito da doença holandesa. Em julho de 1994, o preço de um dólar era igual a um real. De lá para cá, os preços em reais subiram 250% e, se essa inflação fosse repassada integralmente para a taxa de câmbio, o preço do dólar seria de R$ 3,50. Entretanto, a moeda externa anda patinando na casa dos R$ 1,80, quase inviabilizando importantes setores exportadores. O Brasil não vive a maldição do petróleo, mas vive o efeito de uma excessiva oferta de dólares obtidos com exportações e com a entrada de capital financeiro externo que vem para cá em função das taxas de juros atraentes. Talvez a redução na taxa de juros, que diminuiria a entrada de capitais financeiros, e a maior abertura para o exterior, que aumentaria nossas importações, pudessem atuar para reduzir o saldo líquido em dólares e provocar elevação da taxa de câmbio
A economia é complexa e nos remete ao estranho paradoxo de vermos países empobrecidos exatamente porque são ricos de recursos naturais. Se a história tiver a mania de se repetir, corremos o risco de ver a abundância de recursos naturais, sobretudo a euforia do petróleo e do gás descobertos, transformarem-se em nossa maldição. Não é um pessimismo azedo e gratuito; é apenas uma possibilidade que deve ser levada a sério.
José Pio Martins, professor de Economia e vice-reitor do Centro Universitário Positivo (UnicenP).