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A avassaladora e prolongada retração econômica, que atinge o país desde o primeiro trimestre de 2014, vem produzindo, em contraste como uma gama de desdobramentos negativos, rápida e substancial diminuição do desequilíbrio das contas externas brasileiras, mensurado através do déficit em transações correntes, que inclui a balança comercial e de serviços (assistência técnica, transportes, seguros, royalties, remessas de lucros e dividendos, pagamento de juros e turismo) e as transferências unilaterais.

De fato, ao lado da flagrante deterioração dos indicadores econômicos correntes e antecedentes, e das variáveis subjacentes ao ambiente político, observa-se pronunciada diminuição do buraco nas operações realizadas entre os agentes econômicos operantes na nação e aqueles do resto do mundo, que recuou de –US$ 104,2 bilhões, no exercício fechado de 2014, quando equivalia a mais de 4% do PIB, para –US$ 46,3 bilhões nos 12 meses encerrados em fevereiro de 2016, ou 1,7% do PIB.

Tal desempenho pode vir a transmitir a forte, porém equivocada, impressão de ocorrência de um ajuste estrutural no balanço de pagamentos brasileiro na direção do abrandamento, ou até mesmo eliminação, da vulnerabilidade externa, especialmente quando considerada a retomada dos superávits na balança comercial, que atingiram US$ 8,4 bilhões no primeiro trimestre de 2016, contra déficit de US$ 5,5 bilhões no mesmo período de 2015.

As vendas externas têm esboçado reação extremamente tímida

Ainda que expressiva, a cifra positiva, em vez de resultar da ativação de elementos estruturais, capazes de reanimar a corrente de comércio do país, repousa em fatores de perturbação e/ou instabilidade, evidenciados pela maior velocidade do decréscimo das importações (-33,4%) vis a vis as exportações (-5,1%), no intervalo em tela, culminando em contração de 20,1% nos fluxos totais de comércio, cujo nível chegou a cerca de 1/3 do pico registrado em 2010.

Essa anomalia decorre da combinação entre aprofundamento e prolongamento do ciclo recessivo e depreciação do real – encarecendo e desestimulando as compras externas, especialmente de bens de capital e intermediários –, que vem colaborando decisivamente para o atraso nos investimentos e, por extensão, na modernização e eficiência do parque fabril.

Mesmo com o rearranjo dos preços relativos, acontecido em 2015, em favor da taxa de câmbio, as vendas externas têm esboçado reação extremamente tímida por causa da depressão das cotações das commodities minerais e metálicas, explicada pela conjugação entre queda contínua da demanda e elevação de estoques, puxada pelo enfraquecimento do desempenho chinês, e a influência da morosa recuperação do comércio global de manufaturas, não compensada pela reação do mercado latino-americano, especificamente na área de material de transporte.

Ressalte-se o peso da recessão e do câmbio depreciado na performance positiva de alguns itens da balança de serviços, principalmente o encolhimento das despesas líquidas com viagens internacionais (gastos dos brasileiros no exterior versus estrangeiros no território nacional), aluguel de equipamentos e propriedade intelectual.

Mesmo que venha a contribuir para o afastamento de riscos de corridas especulativas contra o real, notadamente em tempos de dificuldades de captação de recursos nas praças globais vinculadas à perda do grau de investimento, a amenização do rombo na contabilidade externa revela-se insuficiente para virar o jogo recessivo da absorção interna. Até porque o desnível vem sendo coberto por fontes voláteis, amparado no ingresso líquido de haveres estrangeiros fisgados pelo barateamento dos ativos brasileiros em moeda forte, e pelo hiato entre juros básicos domésticos e os internacionais, que conspiram, inclusive, para a revalorização do real, em um contexto de fartura de liquidez nos mercados avançados que operam com taxas nominais negativas.

Gilmar Mendes Lourenço, economista, é professor da FAE Business School.
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