Os vários projetos de reforma política enviados ao Congresso nesta semana pelo governo pretendem alterar as regras que regem o funcionamento do sistema político brasileiro. Eles dispõem sobre o sistema de votação, estabelecendo a lista partidária fechada; sobre o financiamento governamental das campanhas dos políticos; tornam mais rígidos os controles sobre mudanças de uma sigla para outra e estipulam certas condições para candidaturas; acabam as coligações para eleições proporcionais e é instituída uma cláusula de desempenho partidário (ínfima, a propósito).
Todas essas mudanças legais são mudanças nas "instituições políticas". Isso é relevante? Instituições políticas influenciam os comportamentos sociais?
A análise da vida política está ligada à compreensão de vários fatores diferentes. Por exemplo, à influência das crenças, das ideias e dos valores socialmente compartilhados sobre ações de indivíduos e grupos, como no caso dos estudos que destacam o papel determinante da "cultura política". Ou à identificação dos constrangimentos mais amplos sobre os agentes sociais, resultado da estrutura econômica e da estrutura de classe de uma sociedade (conforme a visão, bem simplificada, do que seria "o marxismo").
Além dessas chaves de interpretação, a análise da vida política está condicionada à percepção da ascendência das instituições formais, dos marcos legais, das rotinas organizacionais, das estruturas governamentais e de seu papel ativo sobre os processos políticos.
O pressuposto básico dessa visão "institucionalista" é um tanto simples, sem deixar de ser verdadeiro: a maior parte das ações políticas é guiada por instituições políticas; sendo assim, é preciso entender em primeiríssimo lugar como as instituições influenciam o comportamento dos indivíduos.
De forma muito resumida, o argumento central do novo institucionalismo em Ciência Política pode ser desdobrado em três postulados: instituições e não indivíduos ou classes são o elemento central da vida política; indivíduos são atores importantes, mas é mais proveitoso compreender quais são os marcos institucionais dentro dos quais eles agem, ao invés de observar o próprios indivíduos, suas motivações, preferências e escolhas; portanto, não apenas instituições contam na explicação, mas são a explicação para a maior parte das ocorrências da vida política.
Todavia, a própria definição do que são "instituições" é polêmica. Há três versões diferentes que correspondem também a três maneiras diferentes de pensar a influência (ou a ação determinante) das instituições na explicação da vida social.
Instituições podem ser, por exemplo, normas e valores, incluindo sistemas simbólicos, esquemas cognitivos, modelos morais etc., que não só estipulam o funcionamento de organizações, mas determinam o comportamento dos indivíduos através de uma série de categorias de percepção que guiam a prática social dos agentes. Instituições podem ser também sistemas de regras e incentivos a partir dos quais indivíduos, com base em cálculos estratégicos a respeito de certas conveniências, definem suas preferências e tentam maximizar seus interesses.
Por fim, instituições designam simplesmente instituições formais como, por exemplo, as instituições políticas, incluindo aí procedimentos burocráticos, estruturas governamentais, aparelhos estatais e normas constitucionais. Uma vez constituídas, elas têm impacto decisivo sobre o comportamento dos agentes inseridos no sistema político (legisladores, eleitorado, grupos de interesse etc.), determinando resultados dos processos políticos.
Dessa maneira, fatores institucionais são particularmente importantes já que definem ou modelam as preferências, os objetivos e os interesses dos agentes (e não apenas estratégias de ação); eles distribuem desigualmente o poder entre cada um deles, estabelecendo, a partir daí, uma determinada hierarquia entre os agentes políticos e sociais. Em resumo, instituições estruturam a (ação e a relação) política. Elas não são apenas um "contexto", um lugar ou uma paisagem à frente da qual se desenrola o drama.
Todavia, a eficácia das instituições varia conforme tempo e lugar. Seu papel depende, essencialmente, do contexto histórico-social. Por isso o que vale para a Alemanha, digamos, não vale necessariamente para o Brasil; ou as características do sistema partidário na França (por exemplo), cujas agremiações são tidas como "ideológicas", institucionalizadas e socialmente representativas, podem decorrer de outros fatores institucionais que não a cláusula de barreira ou o sistema de lista fechada.
O principal problema do projeto de reforma política não diz respeito aos dispositivos que ele modifica (se para melhor ou pior é questão a conferir). Mas à sua oportunidade. Os agentes políticos, os eleitores principalmente, demoram um bom tempo para compreender e operar conforme as regras definidas por determinadas instituições. As transformações projetadas no sistema partidário e eleitoral devem anular o ganho que anos e anos de "aprendizagem democrática" proporcionaram.
Adriano Codato (adriano@ufpr.br) é professor de Ciência Política na Universidade Federal do Paraná e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira da UFPR.
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