Não há palavras que eufemizem a catástrofe retratada pelos últimos dados relativos ao mercado de trabalho brasileiro da Pnad Contínua, publicada em abril. A pandemia e a inércia do governo federal em criar uma política de geração de empregos e em ajudar as empresas, em especial as micro, pequenas e médias, têm mantido o já combalido e malformado mercado de trabalho brasileiro em péssimas condições.
O dado primordial, a taxa de desemprego – ou seja, o porcentual de trabalhadores que procuram ocupação nos últimos meses sem o conseguir, em relação à força de trabalho – é de 14,4%, mais que o dobro do mesmo trimestre de 2014. Isso representa 14,4 milhões de pessoas, o maior número absoluto da história. Entretanto, apenas esse dado é insuficiente para entender a gravidade do quadro. A análise de outras categorias usadas pelo IBGE dá a noção mais próxima da realidade.
Há milhões de outros indivíduos alijados do mercado de trabalho. A categoria de subutilizados, composta de desempregados, desalentados e os que trabalham menos horas que desejavam, chega a mais de 32 milhões de pessoas. Os desalentados, conceito que esconde verdadeira tragédia humana (indivíduo que simplesmente desistiu de procurar emprego, depois de muito tempo procurando), chegam a 6 milhões de pessoas, recorde histórico.
Esses números poderiam ser ainda maiores. A população fora da força de trabalho cresceu 10,5 milhões de pessoas desde o início da pandemia, totalizando mais de 76 milhões de pessoas. São pessoas que ou desistiram ou nem tentaram entrar no mercado de trabalho, por razões pessoais ou pelas condições econômicas do país. No momento em que esses trabalhadores voltarem à força de trabalho e não encontrarem emprego, entrarão na estatística de desempregados, ao menos nos primeiros meses.
Por fim, o nível de ocupação, que mede o porcentual de pessoas ocupadas em relação à população em idade ativa – indivíduos com mais de 15 anos –, é inferior a 50% desde que a pandemia começou, mantendo-se nesse patamar desde então (na última Pnad, 48%). Traduzindo: menos da metade da população em idade ativa está ocupada.
A aridez dos números não apenas esconde tragédias pessoais. Os efeitos econômicos poderão perdurar por muito tempo, sob vários aspectos. O primeiro é a participação dos rendimentos do trabalho na renda total. A alta oferta de trabalho conjugada com a baixa demanda tem pressionado os rendimentos do trabalho para baixo (a massa de rendimento real habitual recuou 7,4%, o que representa que os que se mantêm ocupados ganham menos que no ano anterior). Isso gera um ciclo vicioso: o consumo das famílias em tendência de baixa gera tendência de baixa no investimento produtivo e na expansão/retomada da atividade econômica por parte dos empresários, o que mantém os salários em baixa.
Além disso, mantida a tendência de mediocridade do mercado de trabalho e de alta desocupação, o “bônus demográfico” brasileiro atual – momento decisivo no desenvolvimento de um país, em que a população na força de trabalho é a maior em relação àqueles fora dela –, é desperdiçado. Aliás, 2021 representa a continuidade da mais longa estagnação econômica de nossa história, iniciada no fim de 2014. O economista João Sicsú, por exemplo, entende que vivemos numa depressão sem precedentes.
A estrutura produtiva e do mercado de trabalho também sofrerá consequências de longo prazo. As poucas ocupações geradas no país têm sido de péssima qualidade: bicos, trabalho precarizado de baixa escolaridade, baixa produtividade e baixos salários, informais que não contribuem para a Previdência Social, num contexto de indústria com peso decrescente na economia, de dependência cada vez maior do setor primário e do preço internacional das commodities e de hipertrofia do setor financeiro, num momento histórico em que as diferenças produtivas tendem a se acentuar entre os países com a Quarta Revolução Industrial.
Obviamente, esse é apenas o quadro geral. Dentro de cada segmento (gênero, idade, raça, escolaridade, região), os números variam e desnudam as desigualdades crônicas do Brasil, e a situação apenas as agravou. Porém, é inegável a necessidade de ação imediata do Estado para que a atividade econômica e, por consequência, o mercado de trabalho se reativem. Vacinação mais rápida, concessão de auxílio emergencial para os trabalhadores e de crédito para os empresários, até medidas mais profundas, como a revogação do teto de gastos e a adoção de pacotes de investimentos públicos diretos, como está ocorrendo nos Estados Unidos e na União Europeia, são algumas das medidas.
Fabio Augusto Mello Peres é advogado com atuação na área trabalhista, pós-graduado em Economia do Trabalho e Sindicalismo e integrante da Comissão de Direito do Trabalho da OAB/PR.