Nos últimos meses, temos visto uma série de ataques perpetrados pelo crime organizado, principalmente nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Em todos eles, é comum constatar os cidadãos atemorizados, com medo de sair de suas casas, diante de um esdrúxulo toque de recolher determinado por bandidos.
O pior é que, lamentavelmente, essa humilhação não cessará. Tal certeza está intimamente ligada à reação das autoridades responsáveis pela segurança pública do país. O discurso, desgraçadamente, é o mesmo que já ouvimos em outras ocasiões, quando a baderna generalizada atingia São Paulo. Do Congresso, os eternos oportunistas de plantão reúnem-se para votar leis "mais duras"; a novidade é que, agora, esse discurso partiu do presidente da República.
Como sempre, os políticos e autoridades não se prestam a pensar em soluções verdadeiras. Preferem o discurso fácil e demagogo que, infelizmente, agrada à maioria de nossa população. Até o chavão é o mesmo: "tolerância zero", ou melhor, "plano tolerância zero": aumento de penas, novos crimes e "diminuição de privilégios" concedidos aos condenados. Há 20 anos tem sido assim, e o pior é que, com essas providências, tudo isto irá se repetir nos próximos 20 anos.
Enfrentar o crime organizado e a desorganização carcerária é trabalhoso e não se resolve com entrevistas das autoridades, nem com medidas "mais duras". Implica a criação de um plano de política criminal, na elaboração de estratégias de combate ao crime organizado, na alocação de recursos para esse combate, na construção de novos presídios e na criação de um plano que objetive acabar com as escolas de criminalidade em que os presídios se transformaram, sem falar nas óbvias providências ligadas a educação, trabalho, investimentos sociais, etc.
A Sociologia nos ensina que a lei é apenas um dos mecanismos de controle social, ao lado da educação, da religião, da moral, das condições mínimas de cidadania, dentre outras. Isoladamente jamais irá solucionar o problema.
Falar, agora, em melhoria das condições carcerárias, com alternativas inteligentes para pôr fim à verdadeira fábrica de bandidos é ser acusado de defender "direitos humanos dos bandidos", como se os direitos humanos (sim, do ser humano) pudessem ser divididos em categorias.
Não há nem nunca houve uma verdadeira política criminal que objetive reduzir a criminalidade. Apesar de a violência ser uma das principais preocupações da sociedade, os governos não possuem uma estratégia para tratar o problema nos próximos cinco anos. Vivemos do improviso, do discurso fácil, da mais completa ignorância sobre o tema.
Também não há e também nunca houve uma atuação conjunta das polícias federal e estaduais que objetive golpear o tráfico de entorpecentes, o contrabando de armas e o crime organizado.
A polícia federal, sob a falsa premissa de que o tráfico de entorpecentes é de competência estadual (como se o abastecimento não se desse por meio do tráfico internacional), delega o combate às polícias estaduais, limitando-se, na grande maioria das vezes, a prender traficantes em aeroportos. Enquanto isso, os federais ocupam-se com invasões a empresas, com o objetivo de combater a sonegação fiscal, a evasão de divisas, a corrupção. Em outras palavras, a prioridade tem sido proteger o erário. Realmente, é bem mais fácil invadir a Daslu do que combater o tráfico e o crime organizado, rendendo o PCC.
A proteção ao erário, o combate à sonegação e à corrupção, são medidas fundamentais, mas não podem se apresentar como únicas prioridades, deixando que fiquem de lado o PCC, o Comando Vermelho e o Terceiro Comando. Precisamos, na verdade, de efetivo combate a essas organizações criminosas.
É cediço o fato de a Polícia Federal possuir um verdadeiro aparato para escutar conversas telefônicas, sendo assustador que só depois da crise instalada em São Paulo tais aparelhos tenham sido colocados à disposição da Policia Estadual para ouvir os planos dos criminosos. Aguardamos, pois, a "operação PCC", a "operação Comando Vermelho", acompanhadas da efetiva apresentação de um plano de combate à criminalidade, que passe bem longe da isolada elaboração de leis.
Necessitamos, enfim, da análise fria dos acontecimentos seguida de uma estratégia inteligente, de verbas que possibilitem uma profunda investigação sobre o crime organizado. Como tudo isto é sabido e nunca foi sequer considerado, é possível afirmar que, realmente, o pior está por vir.
Celso Sanchez Vilardi é advogado criminalista, mestre em Direito Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica; coordenador e professor do Curso de Especialização em Direito Penal Econômico da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (GV/Law).
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