Os eleitos e os financiadores das campanhas eleitorais não têm nenhum interesse em mudar a atual legislação eleitoral e partidária
Asérie de reportagens publicada pela Gazeta do Povo sobre financiamento das campanhas eleitorais contribui para decifrar o real valor do voto no regime democrático brasileiro.
A ideia de democracia historicamente está associada a critérios para atender às exigências dos membros de uma sociedade organizada. Dentre esses critérios, Robert Dahl destaca: participação efetiva, em que os membros de uma sociedade devem ter oportunidades iguais e efetivas; igualdade de voto, nas decisões políticas todos os membros devem ter oportunidades iguais e efetivas; entendimento esclarecido, todos os membros devem ter oportunidades iguais e efetivas de aprender sobre políticas alternativas importantes e suas prováveis consequências; controle dos programas de planejamento, em que os membros devem de decidir como e quais as questões que devem ser colocadas no planejamento.
Se esses princípios forem violados, os membros não serão politicamente iguais. Na democracia brasileira, tais princípios nunca foram respeitados e sem qualquer consequência para os autores da violação, que, por mais paradoxal que pareça, legislam em causa própria.
Os fatos revelados pela Gazeta do Povo, publicando dados da prestação de contas dos candidatos, divulgadas pelo TSE, é a comprovação inequívoca de que a violação dos direitos, que deveriam ser iguais, está respaldada em lei. Como é possível haver igualdade de direitos, segundo a Constituição Federal, se a lei menor viola a lei maior da nação? Essa violação se dá de forma escancarada quando vemos que a maioria absoluta das candidaturas para o Executivo e o Legislativo apresentam gastos de campanha incompatíveis com seus níveis de renda. O financiamento privado de campanhas eleitorais é uma demonstração inequívoca de que não há igualdade de condições entre todos os candidatos nas disputas eleitorais. O que revela a negação das oportunidades iguais e efetivas, a igualdade de voto, já que para cada mandato há um cálculo de quanto custa cada voto, com disparidades escandalosas. Para o Senado da República, aqui no Paraná, o gasto de campanha se aproximou ao da campanha de governador do estado.Teve candidato a deputado estadual que gastou mais que a maioria dos candidatos a deputado federal.
A maioria dos candidatos não teve condições de financiamento nem sequer mínimo para tentar disputar uma vaga com os poucos candidatos, que foram fartamente financiados por grandes e médias empresas. Na relação de empresas que financiaram candidatos ao governo do estado, Senado e Câmaras Estadual e Federal, destacam-se grandes empreiteiras de obras públicas de âmbito nacional, bancos e outras grandes empresas dos mais diversos ramos da atividade econômica. Diante desses fatos irrefutáveis, como podemos acreditar numa democracia, que garanta condições iguais aos membros da sociedade na definição dos programas de planejamento nos vários níveis de definição das políticas públicas? A participação dos eleitores na definição das obras do PAC foi simplesmente nula. No entanto, o volume de recursos do orçamento da União, mantidos pelos contribuintes para as obras do PAC, foi imensamente superior aos recursos destinados às políticas para atender a maioria dos excluídos econômica e socialmente, que recebem vários tipos de bolsas federais. Foi muito superior aos recursos destinados à manutenção das universidades públicas.
A prestação de contas dos candidatos, nas últimas eleições, revelou que as empresas e os bancos, que ganharam muito com as obras do PAC e com a políticas de juros do Banco Central, gastaram muito pouco dos seus grandes lucros para eleger os seus candidatos nas eleições proporcionais e majoritárias. Diante dessa realidade, o que fica claro é que o povo vota, mas quem de fato elege os mandatários são os financiadores das campanhas eleitorais. Logo, os eleitos, em sua maioria, não representam os eleitores, não defendem os interesses do povo, o que é a negação da democracia representativa. Os eleitos e os financiadores das campanhas eleitorais não têm nenhum interesse em mudar a atual legislação eleitoral e partidária. O governo Lula também não teve interesse em encaminhar a reforma eleitoral e partidária durante os seus dois mandatos, por se beneficiar da atual legislação, pois seu partido foi o que mais cresceu nestas eleições.
Então fica uma questão para reflexão: há democracia neste país ou apenas liberdade de expressão?
Lafaiete Neves, doutor em Desenvolvimento Econômico pela UFPR, é professor do Programa de Mestrado em Organizações e Desenvolvimento da FAE Centro Universitário. E-mail: lafaiete.neves@gmail.com
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