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| Foto: Marcos Tavares/Thapcom

Os últimos desdobramentos do caso Cesare Battisti, com sua confissão de culpa na justiça italiana, após evadir-se por 37 anos, deixa agora lições imponderáveis, a demonstrar quão sábios são os princípios do Direito internacional.

A ignorar a máxima de que não há jurisdição entre iguais, que Estados não devem arvorar-se em julgar outros Estados e seus poderes, na certeza da igualdade das nações, em 2011 o Brasil recusou a extradição à Itália de Battisti, não obstante grave acusação de o paciente do pedido ter matado quatro pessoas, com a motivação demente de atentados terroristas. Apesar de copiosa prova nos autos e clamor da sociedade italiana como um todo, aplicava-se a primitiva lógica tribal de pertencimento ideológico, de verdades de politburo, a considerar ser a justiça que condenava facciosa e violadora de direitos humanos, diante de um inocente perseguido por mera vingança política. A mesma Itália berço do direito penal garantista e humanitário, pátria de outro Cesare, Beccaria, arauto mor da modernização da aplicação de penas e da leitura civilizada do jus puniendi, do amplo direito de defesa, da presunção de inocência e de duplo grau de jurisdição, vale dizer, com direito a recursos e colégio de juízes em última instância, todos livres e independentes.

Estados não devem arvorar-se em julgar outros Estados e seus poderes

A recusa brasileira à extradição de Battisti, em decisão exclusiva do poder executivo, no último dia do segundo governo Lula, instruída por seu ministro da justiça, a julgar o judiciário italiano e, em certa medida, também a julgar e desautorizar nosso próprio STF – que decidira não haver empecilhos para a entrega –, foi assentada na convicção da absoluta inocência do condenado. E exercida com o lamentável fervor religioso e militante dos sectários: se os fatos conflitam com a versão, pior para os fatos.

Agora Battisti retorna ao seu domicílio da culpa, rápida e surpreendentemente extraditado pela Bolívia, a desconsiderar o compadrio ideológico e a dar prevalência a questões técnicas, como sempre deveria dar-se a cooperação penal internacional. Sua primeira declaração ao chegar a Milão, desconstruindo a ideia de ser vítima de inquisição obtusa e opressiva, foi contundente: “... non sono più quelo di prima, sono un uomo nuovo”. Por lá, reconheceu ainda sua culpa, pediu escusas às vítimas dos atentados, assistido por um dos melhores advogados da Lombardia. Por aqui, como se não bastasse, houve quem dissesse tratar-se de confissão mentirosa do sempre virtuoso Battisti, apenas para obter benefícios penais, com o mesmo ranço daquele dogmatismo primitivo que contaminou a decisão presidencial de 2011. Sem qualquer escrúpulo autocrítico, responsáveis pela irresponsabilidade que se cometeu em nome do Brasil persistem em desconhecer a realidade, em que a condenação à prisão perpétua (ergastolo ostativo, em italiano) não permite benefícios de redução de pena ou de anistia, quando de cometimento de crimes de terrorismo ou de máfia. Outro motivo que não permitiria imaginar barganha barata, diz respeito à decorrente condenação civil, com vultosas indenizações que gratuitas confissões de culpa poderiam gerar, visto o volume de danos perpetrados, a par da forte reprovação social que a barbárie da violência por motivação política provoca em meios civilizados.

Opinião da Gazeta: A confissão de Battisti e a política externa brasileira (editorial de 26 de março de 2019)

Leia também: Entre reviravoltas internas e compromissos internacionais (artigo de Melissa Martins Casagrande, publicado em 7 de janeiro de 2019)

Por fim, a declaração do advogado de Battisti, Davide Steccanella, é a pá de cal na tentativa de se seguir na glamourização e na mitificação de um criminoso de sangue, assim definido pela justiça de seu país, bem como de insistir em buscar justificar o injustificável: “... a confissão não foi feita por benefícios eventuais, a esperança é apenas a de restituir a imagem justa de meu cliente, que não é aquele monstro que ainda pode golpear como foi descrito”.

Jorge Fontoura é professor e advogado.
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