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Enquanto se arrasta o impasse comercial entre os Estados Unidos e a China, o resto do mundo se reduz a uma plateia ansiosa – e em nenhum outro lugar os líderes estão mais agoniados do que na Alemanha.

Ao longo da última década, a maior economia europeia, mas potência média para os padrões globais, vem se adaptando à realidade da dominância econômica chinesa, abrindo-se para receber investimentos daquele país e encorajando suas empresas a se adaptar às regras de Pequim com o objetivo de conquistar acesso a seus mercados. Ao mesmo tempo, continua um membro robusto da aliança política e de segurança do Ocidente.

O tumulto geopolítico dos últimos seis meses, no entanto, levou sua liderança a um “despertar” estratégico em relação aos riscos envolvidos na tentativa de jogar de ambos os lados. Se tem a capacidade de encarar esses desafios? Essa talvez seja a questão mais importante que a nação enfrentará nos próximos anos.

Até agora, o comércio é que definiu sua política externa em relação ao país asiático, parceiro mais importante no setor; entretanto, a intenção é estreitar os laços com os chineses, definindo inclusive reuniões consultivas bilaterais regulares.

Como muitos no Ocidente, os alemães achavam que o crescimento levaria a China a optar por um caminho mais liberal nos aspectos econômico e político, mas, de uns anos para cá, essa esperança foi para o espaço devido às políticas cada vez mais nacionalistas, expansionistas e estatistas do presidente Xi Jinping.

A China não está só expandindo sua economia, mas procurando impor um programa global para promover seus interesses

Segundo analistas como Mikko Huotari, vice-diretor do Instituto Mercator para Estudos Chineses de Berlim, Angela Merkel sempre se manteve cética em relação ao desenvolvimento político da China, mas foi só há uns dois anos que o gabinete se alinhou à sua forma de pensamento, pressionando o resto do governo a se comprometer com uma estratégia nova e multifacetada.

Ela começa com a premissa de que a China não está só expandindo sua economia, mas procurando impor um programa global para promover seus interesses e minar a ordem multinacional baseada em regras pós-Segunda Guerra Mundial. Em resposta, a Alemanha precisa ser mais ativa, talvez até combativa, na defesa de seus interesses.

Mas foi só nos últimos meses que o governo começou a mudar sua posição pública, tornando-se mais ousado em seu discurso sobre uma “nova disputa de poder”. Em discurso de novembro, o ministro das Relações Exteriores, Heiko Maas, afirmou que a Europa é “quem mais tem a perder” com as tensões crescentes entre os EUA e a China, bem como entre os EUA e a Rússia.

Em um artigo recente e anormalmente ousado, a Federação das Indústrias Alemãs, uma das associações comerciais mais poderosas do país, declarou haver uma “competição sistêmica” entre a China e a Alemanha – em outras palavras, que o comércio entre os dois países se tornou uma batalha sem vencedores. “Embora a indústria alemã deva continuar a tirar vantagem das oportunidades oferecidas pela troca econômica com a China, as dificuldades impostas por esta não podem ser ignoradas”, diz o texto.

Leia também: O canal para uma relação pragmática e lucrativa com a China (artigo de Thiago de Aragão, publicado em 20 de janeiro de 2019)

Leia também: Como a relação comercial entre China e Estados Unidos afeta os demais países (artigo de Almir Neves, publicado em 5 de janeiro de 2019)

E, em dezembro, a liderança política alemã concordou em baixar o limite no qual o investimento estrangeiro nos setores relativos à segurança – incluindo fornecimento de energia, serviços de trens e infraestrutura digital – exija intervenção oficial, medida claramente voltada para a China. De fato, na prática, essa política já se fazia valer: no ano passado, o banco estatal alemão KfW comprou 20% da empresa de distribuição de energia 50Hertz para impedir uma licitação da Companhia Nacional da Rede Elétrica da China. Para justificar a medida pouco comum, os ministérios da Fazenda e da Economia citaram questões de segurança.

Mas será que isso basta? Políticos e diplomatas evitam falar em mudança de paradigma na política chinesa da Alemanha. “Fizemos alguns ajustes cuidadosos”, limita-se a anunciar Niels Annen, do Ministério de Assuntos Externos. De fato, ao contrário da política em relação à Rússia, a relação com a China sofre um exame público menos vigoroso e ideológico. A primeira é um tópico apaixonadamente polêmico, mas a maioria dos alemães simplesmente não está nem aí para a segunda – e talvez seja assim que os diplomatas queiram que a situação continue.

Quando se trata da China, a Alemanha tem de seguir uma linha muito tênue em um ambiente internacional de mudanças rápidas. A relação entre os dois lados do Atlântico sofreu abalos desde que Donald Trump subiu ao poder – e, de repente, os alemães se veem concordando mais com a China em certas questões, como a mudança climática, do que com os EUA, parceiro de longa data.

Como consequência, seus diplomatas têm de fazer um jogo delicado, ficando ao lado do adversário ideológico e contra um grande aliado em determinadas questões, ao mesmo tempo que se posicionam pelo aliado de repente difícil contra o parceiro comercial mais valioso em outras. E, em ambos os casos, têm de manter o compromisso com a ordem mundial baseada em regras, quando nenhum dos outros dois parceiros o fazem no mesmo nível, pelo menos no momento.

A Alemanha não pode comprar a briga sozinha, mas a Europa se vê dividida e lenta demais para acompanhá-la

Por quanto tempo mais a Alemanha vai manter esse equilíbrio, permanecendo comprometida com a antiga relação transatlântica, ainda não se sabe. Huotari, do Instituto Mercator, prevê que o país, mais cedo ou mais tarde, se verá na berlinda. “A China vai continuar satisfeita enquanto os alemães não tomarem o partido dos norte-americanos. Estes, por sua vez, esperam uma tomada de posição inequívoca da nossa parte. Já estamos no fogo cruzado, e a pressão só vai aumentar.”

A melhor opção parece ser encontrar segurança nos números, unindo seus aliados europeus – mesmo porque parte da estratégia geopolítica chinesa é dividir o continente. Seis anos atrás, estabeleceu o modelo 16+1, iniciativa para engajar 16 países da Europa Central e Oriental – 11 dos quais são membros da União Europeia – em uma relação mais estreita para influenciar as políticas continentais a seu favor.

De uns tempos para cá, entretanto, vários desses países se desencantaram. Em alguns, a China está tendo problema em manter as promessas de investimento; outros, como a Polônia, enfrentam uma pressão cada vez maior de Washington para se afastar de Pequim. Essa pode ser a oportunidade da Alemanha, que tem de ter muito cuidado e fazer uma jogada milimetricamente acertada, pois unir o continente europeu não é tarefa fácil. É o eterno dilema da política externa teutônica: não pode comprar a briga sozinha, mas a Europa se vê dividida e lenta demais para acompanhá-la.

Anna Sauerbrey é editora e redatora no jornal alemão “Der Tagesspiegel”.
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