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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Tente descrever uma jabuticaba para um estrangeiro. Com certeza é bastante difícil, pois ela só existe em nosso país. Mas este não é nosso único fruto estranho aos olhos de boa parte dos estrangeiros. Assim como a jabuticaba, o processo criminal do Brasil tem alguns “frutos” que só são encontrados em terras tupiniquins.

Um desses frutos, por certo, é o que chamamos de habeas corpus “jabuticaba”. No mundo inteiro, o habeas corpus é utilizado para impugnar decretos de prisões ilegais já executadas ou na iminência de acontecer. No Brasil, os réus ricos podem utilizá-lo para qualquer finalidade, pouco importa se o réu está solto ou preso, um verdadeiro recurso inominado. A farra fez com que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) recebesse mais de 36 mil habeas corpus no ano de 2011, com preferência de julgamento. Cada ministro recebeu, em média, dez habeas corpus por dia. Isso faz com que o STJ não consiga julgar seus recursos e os casos são cancelados em virtude da demora, a chamada prescrição.

O abuso dos recursos é um atentado à Constituição

Combate à corrupção, e não à Constituição!

O maior problema nas medidas é a flexibilização de garantias constitucionais integrantes do estatuto de proteção dos direitos fundamentais

Leia o artigo de Melina Fachin, professora da UFPR

No país da jabuticaba também temos uma leitura própria do princípio da presunção de não culpabilidade. Nos países conhecidos como berços das garantias individuais, como França e Estados Unidos, a presunção de inocência vigora até a decisão do juízo de primeiro grau. Já na presunção de não culpabilidade à brasileira pouco importa que quatro instâncias judiciais já tenham considerado o réu culpado, pois, enquanto não se julga o último recurso de embargos no Supremo Tribunal Federal (STF), deve-se presumir que o réu é um santo e que os magistrados que analisaram o caso são ineptos. Isso pode significar o escárnio de 34 recursos num mesmo processo, como no caso de Luiz Estevão.

Resultado: o inevitável cancelamento do processo em virtude da demora, como ocorreu no caso dos banqueiros do Banco Nacional, do Banestado ou do senador Jader Barbalho – que, ao completar 70 anos de idade (o que, de acordo com a nossa lei, faz a prescrição cair pela metade), ganhou de presente a extinção de punibilidade de seis processos criminais a que respondia, incluindo os desvios da Sudam da década de 90. Isso sem falar no deputado federal Paulo Maluf, que, recentemente, depois de ficar seis anos foragido da Justiça americana no Brasil, tendo em conta que figurava na difusão vermelha da Interpol e poderia ser preso em 181 países, defendeu sua autocanonização depois que quase todas as acusações criminais contra si foram canceladas pela demora de processos que nunca terminam.

O abuso dos recursos é um atentado à Constituição, e caracteriza-se como o indevido processo legal. Nesse contexto, as medidas anticorrupção do Ministério Público Federal (MPF), que receberam o apoio de mais de 2 milhões de pessoas, visam dar um mínimo de racionalidade a esse sistema falido.

Claro que críticas sempre existirão. Na maior parte, de parlamentares diretamente atingidos pelas iminentes mudanças ou da classe de advogados que sobrevivem dos processos infindos. Contudo, as críticas repetidas e vazias, defensoras da tutela intransigente dos direitos individuais dos ricos e poderosos, sempre em detrimento dos direitos das vítimas – ou da busca de um direito penal do amigo para os criminosos do colarinho branco –, já não mais encontram respaldo em um país cuja economia foi assolada pela corrupção, mal que para florescer sempre andou de mãos dadas com a impunidade.

Diogo Castor é procurador da República. Carlos Fernando dos Santos Lima é procurador regional da República.
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