O bitcoin viveu altos e baixos em 2021, com cotação recorde de US$ 66 mil em 20 de outubro.| Foto: Pixabay
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Quando no fim do século 16 o botânico flamengo Carolus Clusius desenvolveu mudas de tulipa que suportavam as condições climáticas dos Países Baixos, a partir de bulbos que recebera diretamente de Constantinopla, provavelmente não imaginava que a flor se tornaria símbolo da região e responsável pela, diz-se, primeira bolha econômica especulativa da história.

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Utilizada no paisagismo e até para fins medicinais, a popularidade das tulipas cresceu rapidamente na Holanda e as flores passaram a ser cada vez procuradas, especialmente pelos cidadãos ricos, o que fez os preços dispararem. Viu-se, aí, uma oportunidade de investimento e na década de 1630 as plantas já eram negociadas em bolsa.

O “x” da questão estava no fato de que as tulipas florescem apenas alguns anos após seu plantio e cerca de dois meses durante um ano. Assim, foram criados contratos futuros de tulipa, que levaram ao estouro da bolha na virada de 1636 para 1637, quando compromissos deixaram de ser honrados e o desespero levou investidores a venderem seus bulbos por preços muito abaixo do que haviam pago nas flores. O governo holandês até tentou ajudar, mas a queda do mercado de tulipas foi tão profunda que se tornou impossível restituir os valores.

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Avançando quase 400 anos no tempo, vemo-nos na iminência de outra bolha. Agora, contudo, os ativos não são flores. Na verdade, sequer são físicos. Falo, aqui, da bolha das criptomoedas, que têm no bitcoin seu principal expoente e não possuem forma de mensurar seu valor intrínseco, tampouco remuneram seus detentores por juros, dividendos ou quaisquer fluxos reais financeiros, visto que este se dá de acordo com parâmetros muito subjetivos, com o “balanço do mar”, o que significa que o cenário pode mudar muito rapidamente. Por não ser emitido, tampouco regulado, por nenhum banco central, é puramente a lei da oferta e procura que conduz seu processo de valorização.

O investidor brasileiro age como um maníaco compulsivo. Diz-se em 98% dos casos conservador com seus investimentos quando vai tocar no assunto renda variável ou bolsa de valores, mas, quando ouve o seu vizinho dizendo que ganhou um punhado na criptomoeda da moda, move todo o seu recurso da poupança em busca do sonho de ficar milionário facilmente e com apenas uma grande tacada

O bitcoin viveu altos e baixos em 2021, com cotação recorde de US$ 66 mil em 20 de outubro, e abriu espaço para o avanço e valorização das memecoins – ou, menos elegantemente, shitcoins –, como a dogecoin, impulsionada por tuítes de Elon Musk, que chegou a ocupar o posto de décima maior criptomoeda do mercado. Em meio a isso, a China proibiu qualquer atividade ligada à mineração de bitcoin e a secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, já se posicionou de forma contrária às criptomoedas.

Some-se a isso a quantidade descomunal de energia gasta para minerar as criptomoedas. Um estudo da Universidade de Cambridge divulgado no primeiro semestre deste ano mostrou que o bitcoin consome mais energia que toda a Argentina. Se fosse um país, a moeda estaria na 28.ª posição no consumo energético global.

Ainda que a Selic tenha chegado a 9,25% ao ano na última reunião do Copom, as taxas de juros ainda estão relativamente baixas para o histórico do Brasil, o que leva os investidores a desejarem diversificar sua carteira. Optar, contudo, por um investimento arriscado como muitas criptomoedas é, no mínimo, imprudente. Enquanto 10 milhões de brasileiros realizam aportes no mercado de investimentos de criptomoedas, segundo estudo da FinDocs, a B3 registra 4 milhões de contas de pessoas físicas em renda variável, de acordo com dados divulgados no início de novembro.

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O investidor brasileiro age como um maníaco compulsivo. Diz-se em 98% dos casos conservador com seus investimentos quando vai tocar no assunto renda variável ou bolsa de valores, mas, quando ouve o seu vizinho dizendo que ganhou um punhado na criptomoeda da moda, move todo o seu recurso da poupança em busca do sonho de ficar milionário facilmente e com apenas uma grande tacada. Existe um verdadeiro mar de oportunidades entre os extremos, e o investidor brasileiro deveria concentrar-se na educação financeira e no investimento de longo prazo em vez de ficar procurando gênios da lâmpada ou promessas de mega-cripto-sena.

E se essa renda fosse destinada a outros tipos de ativos, com a tomada de decisão pautada em trocas com gestoras, corretoras e especialistas? Pode até ser que muitos desses investimentos não tenham a aura de rebeldia das criptomoedas e a agitação dos influenciadores digitais, mas certamente são mais seguros e rentáveis. Não se esqueça de que hoje, apesar de muito belas, tulipas podem ser encontradas em qualquer floricultura de esquina.

Daniel Alberini é economista, sócio-fundador e diretor de gestão da CTM Investimentos.