A Floresta com Araucárias, ecossistema associado à Mata Atlântica, teve participação decisiva no desenvolvimento de muitas regiões do Sul do Brasil, gerando, com a madeira da araucária, ou pinheiro-brasileiro (Araucaria angustifolia), um dos mais importantes ciclos econômicos para as comunidades que conviveram com esse ambiente florestal nas primeiras décadas do século passado. Como todo ciclo baseado no extrativismo, durou pouco tempo e reduziu a extensão da floresta em cerca de 90%.
Se por um lado demoramos para assumir uma atitude concreta para a conservação da Floresta com Araucárias, o que reflete a atual pequena extensão desse ecossistema em áreas naturais protegidas, por outro, muito aprendemos para melhor delinearmos e estabelecermos as próximas ações. Entre essa aprendizagem, estão as lições de duas aves que habitam um dos últimos remanescentes desse ecossistema, localizado no planalto serrano de Santa Catarina: o papagaio-charão (Amazona pretrei) e o papagaio-de-peito-roxo (Amazona vinacea).
As sementes dos pinheiros, os pinhões, constituem o principal item alimentar do papagaio-charão. Para essa ave, não encontrar o pinhão na natureza significa uma redução das possibilidades de sobrevivência, e um forte impacto sobre sua capacidade de reprodução. Nos processos e transformações que ocorrem nos ecossistemas, nos ciclos da matéria e no fluxo da energia, é fácil compreender que "pinhão vira charão". Até meados dos anos 80, a região onde as várias populações do papagaio-charão se concentravam em busca do pinhão era o nordeste do Rio Grande do Sul, fato que levou à criação da Estação Ecológica de Aracuri. A conservação de um pequeno fragmento florestal que mais servia como dormitório para a espécie, sem conseguir a efetiva proteção dos pinheirais no entorno de Aracuri, fez com que os papagaios buscassem uma nova região, com maior oferta de pinhões. E, felizmente, encontraram uma ampla área entre os municípios de Painel, Urupema, Lages e São Joaquim, no planalto catarinense.
O papagaio-de-peito-roxo também é fortemente associado à Floresta com Araucárias. Outrora comum ao longo da distribuição dessa floresta, reduziu suas populações à medida que a extensão dela era encolhida no Brasil, Argentina e Paraguai. Sua população atual não ultrapassa 4 mil indivíduos, estando os maiores bandos registrados para o planalto catarinense, onde compartilha áreas com o papagaio-charão.
A permanência e o tamanho populacional dessas duas espécies-bandeira servem como balizadores para avaliar a eficiência da conservação da Floresta com Araucárias no planalto catarinense. Por isso, a partir do conhecimento do comportamento de ambos os papagaios, pesquisadores definiram as regiões prioritárias e o tamanho de áreas a serem protegidas. A estimativa é de que haja a necessidade de conservação de 98 mil hectares, combinando áreas naturais protegidas com propriedades privadas para a colheita dos pinhões.
Painel, São Joaquim e Urupema são os maiores produtores de pinhão do Brasil. O fato de os proprietários locais obterem rendimentos com essa semente aumenta o interesse na conservação dos pinheirais nas áreas privadas, trazendo para a fauna silvestre a garantia da oferta desse recurso alimentar. No entanto, para que seja possível manter os atuais índices de colheita sem prejudicar a biodiversidade, é preciso fortalecer as ações públicas e privadas voltadas à melhoria da cadeia produtiva do pinhão.
Hoje, boa parte da coleta, comercialização e beneficiamento do pinhão encontra-se em situação de precariedade tecnológica, e falta uma organização dos produtores buscando melhorar a comercialização. Todas as ações que agregarem valor à cadeia do pinhão atuarão em sinergia para, por um lado, gerar vantagens sociais e econômicas para a própria comunidade e, por outro, contribuir na conservação de toda a fauna silvestre que se beneficia dessa cadeia alimentar.
Precisamos garantir que a situação de Aracuri não se repita. Afinal, caso o reduto de Floresta com Araucárias catarinense sofra alguma redução em sua extensão, será que haveria outra possibilidade para o migrante papagaio-charão e o residente papagaio-de-peito-roxo?
Jaime Martinez, biólogo e doutor em Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre, é professor da Universidade de Passo Fundo (UPF), no Rio Grande do Sul, pesquisador do Projeto Charão e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza.
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