Walter Braga Netto e Jair Bolsonaro, a chapa derrotada para Presidência em 2022| Foto: EFE/Joedson Alves
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A Lei 14.127, de 1º de setembro de 2021, acrescentou ao Código Penal os crimes contra o Estado Democrático de Direito. O que se buscou proteger com o reconhecimento dessas condutas delitivas não foi o Estado em si ou sua segurança, mas a essência do Estado estabelecida na Constituição de 1988, que abrange seus valores fundamentais: a democracia e as liberdades.

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Dentre as novidades trazidas pela referida lei estão os crimes contra as instituições democráticas, indicados em dois tipos de condutas: abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. Essas duas designações podem levar alguns a concluir que esses crimes apenas se consumariam caso alguém efetivamente abolisse o Estado Democrático de Direito ou executasse um golpe de Estado.

Não se pode exigir, para a tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito ou de um golpe de Estado, que tanques estejam nas ruas. Isso seria um salvo-conduto para os inimigos da democracia; um suicídio institucional

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No entanto, é necessário refletir: se o Estado Democrático de Direito fosse eliminado, que instituição legítima e democrática julgaria esses crimes? É evidente, portanto, que a caracterização do crime, isto é, sua existência, não está na abolição do Estado Democrático de Direito ou no sucesso de um golpe de Estado, mas sim na tentativa ou na atuação com esse propósito.

Agora, o Código Penal diz que é crime a mera tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, com o emprego de violência ou grave ameaça, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais, bem como a tentativa de depor, também por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído. A lei penal não exige, por exemplo, a ocorrência efetiva de um golpe de Estado para que se possa falar na prática de um crime. Ela mira na tentativa.

A configuração desses crimes pressupõe a mobilização de atores e forças políticas que aderem à empreitada criminosa. Como se diz, o golpe de Estado ou a abolição do Estado Democrático de Direito não surge “como um raio em céu azul”. Trata-se do resultado de um processo que acumula apoios e sustentação no campo social e político, corroborando a violência necessária para atingir o objetivo de destruir o Estado Democrático. Portanto, não se trata de um crime comum.

Assim, a movimentação de uma organização criminosa com a finalidade descrita pela lei já configura o crime. Seria irrazoável imaginar que um presidente da República, militares, agentes políticos e empresários poderiam deliberar livremente sobre a derrubada do Estado Democrático de Direito ou a execução de um golpe de Estado, promovendo reuniões, montando grupos de apoio, planejando assassinatos, monitorando autoridades, identificando armamentos a serem utilizados e proferindo ameaças, entre outros atos preparatórios, sem que isso fosse considerado ilícito penal. Tal interpretação tornaria ineficaz a criminalização prevista no Código Penal.

Em outras palavras, não se pode exigir, para a tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito ou de um golpe de Estado, que tanques estejam nas ruas. Isso seria um salvo-conduto para os inimigos da democracia; um suicídio institucional. A violência, nesse caso, se revela nos atos preparatórios. Essa interpretação torna-se mais do que necessária quando analisamos o histórico de golpes de Estado no Brasil e na América Latina.

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Alessandro Soares atua nas áreas de Direito Constitucional e Administrativo e é sócio no escritório Martins Cardozo Advogados Associados.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]