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O que é a esperança?

(Foto: Lina Trochez/Unsplash )

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Em meu primeiro artigo publicado pela Gazeta do Povo, expressei uma visão de mundo que, para alguns, até pareceu pessimista, se não fosse uma virtude que devemos cultivá-la com muito esforço em nossa vida, que é a esperança. Eu dizia que, pelo andar da carruagem do mundo, estamos vivendo uma época de ruptura, um turning point, e ainda comparei com o período que antecedeu o fim do Império Romano. Obviamente, os motivos stricto sensu pelos quais aquela civilização ruiu podem até parecer não serem os mesmos.

Mas aqui é necessário que distanciemos o zoom de nossa lente e passemos a ver a coisa sob um panorama amplo. A sociedade daquela época vivia os mesmos pecados de agora, e sem dúvida alguma, eles, todos eles, foram a raiz dos motivos que derrubaram o Império. Hoje não é diferente. A humanidade está vivendo seus piores pecados, com uma diferença. Os meios de comunicação social nos escancaram esse baú de misérias humanas todos os dias. Estamos em um ponto de ruptura, sem dúvida. Você sente isso, eu sinto isso.

Cultivemos a esperança de que, em determinado momento, Deus levantará sua mão e uma bela melodia irá surgir em meio ao desafino.

Mas não se desespere, afinal de contas, já dizia o adágio que “a esperança é a última que morre”. Aliás, o apóstolo dos gentios, Paulo, escreveu para a comunidade de Corinto, na Grécia que, “agora permanecem (como necessárias para todos) estas três coisas: a fé, a esperança, a caridade; porém a maior delas é a caridade (1 Cor 13, 13)”. Se você se debruçar sobre o cenário atual, com as guerras sangrentas, a criminalidade, a falta de liberdade de expressão, a injustiça, a corrupção em níveis estratosféricos, a devassidão que corrompe nossas crianças, sem as virtudes necessárias, como dizia Paulo, o pessimismo é inevitável.

Porém, para nos ajudar a ver esse cenário com outros olhos, vou pedir socorro à literatura. Um dos meus autores preferidos, o britânico J. R. R. Tolkien, autor da fantástica obra O Senhor dos Anéis e do Hobbit, em seu livro Silmarillion, cria uma bela narração da criação do mundo. Nos primeiros capítulos daquele livro, Tolkien narra a Música dos Ainur, uma sinfonia com a qual Eru, que é Deus no mito de Tolkien, junto a suas primeiras criaturas, os Ainur, através de uma sinfonia, cria o mundo.

O canto, maestrado por Eru, ao ser executado pelos Ainur, gerava as coisas criadas, mas num determinado momento, Melkor, um dos Ainur, resolve colocar uma partitura própria no meio da sinfonia e cria uma dissonância. O que antes era ordem e beleza parecia agora uma tempestade raivosa, de águas escuras. Eru, no entanto, se levantou e os Ainur perceberam que, ao invés de estar furioso com o solo dissonante de Melkor, ele estava sorrindo. Ele levantou a mão e outra sinfonia surgiu em meio àquela dissonância. Melkor era mau, semelhante ao anjo caído que azucrina nossa vida hoje, e aumentou o volume de sua própria canção desafinada. Eru fez outra melodia e assim foi essa luta até que Eru mandou a música parar, aí sim, furioso. Ele mostrou aos Ainur toda a criação do mundo e perceberam que o desafino de Melkor era só parte da coisa, mas o mais importante é que a sinfonia principal era bela e majestosa.

Estamos, portanto, vivendo esse momento da dissonância e tudo parece tempestade e águas escuras, mas cultivemos a esperança de que, em determinado momento, Deus levantará sua mão e uma bela melodia irá surgir em meio ao desafino. Deus não nos abandona, ao contrário, e aqui o movimento de nossa lente é justamente o inverso. Vamos aproximar nosso zoom e olhar mais de perto a trama de nossa vida. Aí vamos perceber que Ele está cuidando de tudo, mesmo em meio ao cenário tempestuoso, de águas escuras, que estamos vivendo.

Em meu segundo artigo publicado aqui, eu dizia que “Deus está tramando algo”. E continuo afirmando que Deus constantemente está tramando algo. Se começamos a olhar bem de perto, nas ruas e avenidas, nos bairros, deixando de lado os grandes conceitos de humanidade, raça humana, mundo, mas fixarmos nosso olhar no José, na Maria, naquelas freirinhas que ajudam os feridos nos campos de batalha, e nas diversas pessoas que encontramos em nosso dia a dia, somos capazes de perceber toda a trama de Deus. E isso nos dá esperança.

Quer, portanto, cultivar a esperança? Passe a se alimentar dessas notícias, desses pequenos milagres que mostram que há uma bela sinfonia sendo conduzida, mesmo quando a dissonância parece soar mais alta. No fim, como canta o 14 Bis, “A harmonia será Terra A dissonância será bela”.

José Caetano é jornalista e fotógrafo, foi diretor da Agência de Notícias Zenit e trabalhou na Secretaria Extraordinária do Sínodo dos Bispos com o papa Bento XVI. Colabora no Instituto Católico de Liderança e mantém o podcast Teólogo de Botequim, em que divaga sobre como ser católico no mundo atual.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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