Anteriormente, tentamos esclarecer o que seja educação, qual o grave problema da centralização na educação e da secundarização da sociedade, além do declínio da escola clássica. Acredito que podemos agora adentrar na análise sobre o que é a inteligência humana. É necessário definir o conceito de inteligência para prosseguirmos na conversa sobre como poderemos melhorar o sistema educacional brasileiro. E da mesma maneira que muitos confundem educação com ensino, também há uma grande confusão entre o que seja mente, inteligência, raciocínio, pensamento, intelecto, cérebro e outras palavras que parecem afins.
Então, inteligência, filosoficamente falando, é a faculdade espiritual, não material, pela qual o ser humano percebe a essência das coisas. Vindo do latim seria intus legit, que seria ler no íntimo, ir além dos sentidos, transcendendo o material, conforme a explicação de Thiago Sinibaldi (Elementos de Filosofia Vol III – Antropologia e Teodicéia).
Podemos agora verificar que a inteligência é aquela faculdade da alma humana a qual vê realmente a essência abstrata do homem.
É interessante notar é que a definição aponta para algo não material e talvez seja isto a origem de tanta dúvida atual, pois nós, pessoas contemporâneas, afeitos às ciências, não conseguimos entender como um ente pode ser espiritual. Espírito, hoje, parece tratar-se assunto religioso e não científico. Além de que tudo que é considerado educação tem de ser comprovado cientificamente, não cabendo qualquer dúvida de caráter espiritual e não material. Muitos acreditam que tudo o que há sobre inteligência está dentro do cérebro humano, não cabendo, portanto, qualquer parte não material.
Entretanto, os gregos entendiam há muito tempo que o ser humano tinha uma “psiquê” a qual não seria material e não seria corruptível. E nesta faculdade do homem estaria informações relevantes e, obviamente, não materiais, não sendo, portanto, no cérebro humano que é material, mas em uma substância chamada de espiritual.
Como a pedagogia atual não consegue falar de espírito, não há como conduzir de forma filosófica correta um sistema educacional que busque o crescimento do estudante.
Seria nesta substância que ocorreriam as chamadas operações da inteligência, onde a primeira seria a simples apreensão, a segunda o julgamento e a terceira operação o raciocínio. Para avançarmos no assunto, vou tentar explicar coloquialmente o que seja cada uma destas etapas que culminarão com a visão humana da verdade ou da mentira, ou seja, o ser ou o não ser das coisas. Vemos que, para os gregos, é a inteligência que apreende e transforma em uma abstração, depois raciocina e julga, e nada disso é material.
Então vamos às definições. A simples apreensão é o contato inicial com o objeto a ser inteligido. Este contato se faz por meio dos cinco sentidos externos que possuímos. O grande Hugo de São Vitor chamava isto de leitura e nesta fase não há verdade ainda, pois o objeto será, como está na definição, percebido em sua essência e abstraído para dentro da inteligência, transcendendo o material.
O trabalho do intelecto, de mergulhar no raciocínio, era chamado pelos filósofos como a busca da verdade.
Estando a abstração dentro de nós, iniciamos o que seria a etapa mais difícil e trabalhosa que faz parte do processo intelectivo que é o raciocínio e que nos levará à verdade do ente abstraído. Este raciocínio pode ser realizado de duas maneiras: a dedução ou a indução. A primeira forma é a mais certa e que sempre nos levará a uma verdade e a segunda, a indução, não nos levará a uma certeza sendo, portanto, avaliada como uma possibilidade ou probabilidade. A dedução leva-nos a certeza pois parte do geral para o particular e no outro modo, parte do particular para o geral. Creio que um exemplo de cada forma ajudaria a entender melhor.
A dedução parte do geral: todo ser humano é mortal. Eu, Claudio, de maneira particular, sou um ser humano, portanto, eu sou mortal. Este silogismo categórico é verdade absoluta e inquestionável. Já um exemplo de indução seria uma pesquisa médica científica, onde se verifica, particularmente, que um remédio pode retirar a dor de cabeça de algumas pessoas, assim, de forma geral, recomenda-se a todos que tenham dor de cabeça que tomem o remédio. Na prática veremos que nem sempre o remédio atingirá o objetivo, portanto não podemos formar um silogismo, mas apenas a probabilidade de sucesso do remédio. Ou seja, há determinada possibilidade de que o remédio tirará a dor de cabeça de uma parte da população que for tomá-lo.
Creio que ficou claro a diferenciação destas duas formas de raciocínio que a inteligência realiza. Claro seria que usássemos sempre o raciocínio dedutivo para tudo na nossa existência, entretanto isto não é possível e é aí que entra a indução. Por exemplo: ninguém estava vivo para presenciar o “Big Bang”, mas isto não impede de realizarmos induções para verificar se há alguma possibilidade deste evento ter ocorrido ou, então, tenho uma doença que precisa ser tratada e não sei a causa. Com a indução, é este o papel da ciência que busca sempre se apoiar nas experiências particulares dos fatos analisados e chegar a uma conclusão geral provável, mesmo que não ainda totalmente certa. Todo este processo de raciocinar, segundo Hugo de São Vitor, chamava-se meditação.
Mas, ainda falta a explicação sobre uma operação da inteligência chamada de julgamento que a escola vitorina dava-lhe o nome de contemplação. Seria o final de todo o processo, em que todo o trabalho de raciocínio estaria já concluído e caberia apenas verificar a verdade do ente inteligido. Ou seja, contemplar a verdade que denotou muito trabalho e que agora, de forma estável, julgo como verdadeiro ou falso.
A busca da verdade é o âmago do trabalho intelectual e se não for executado, qualquer ser humano é levado para o outro lado.
Eu disse que a leitura seria a abstração usando os cinco sentidos, mas depois de abstraído o objeto a ser inteligido, este é armazenado em um dos quatro sentidos internos que é a memória. Estando armazenado eu posso realizar o raciocínio a qualquer momento que desejar, não precisando ser imediatamente à leitura.
Outro fato interessante da capacidade intelectiva humana é que o raciocínio pode partir de um julgamento produzido na inteligência e armazenado na memória. Melhor explicando, ao produzir um julgamento, ou seja, uma verdade, posso partir dali para raciocinar e interagir outros julgamentos já feitos e produzir novos julgamentos independentemente de novas leituras ou novas apreensões. Esta característica única é humana e está presente entre todos os seres intelectuais.
O processo educacional é individual, exigindo que haja a experiência da verdade que é propiciada pelo mestre educador.
São Tomás de Aquino nos ensina que a verdade deve ser igual ao objeto, mas se não ocorrer uma experiência da verdade não conseguiremos realizar este acesso à verdade. Como o trabalho de meditação é difícil, muitas pessoas querem economizar esforço e receberem a informação já “raciocinada” e aí, sem esforço, se chega ao julgamento sem raciocínio. Que é o que estamos vendo nos diversos sistemas de ensino no mundo afora. Se busca apenas a leitura e a memorização do resultado, sem se passar pelo raciocínio, e se chega à verdade sem ter passado pela experiência de se buscar aquela verdade.
A busca da verdade é o âmago do trabalho intelectual e se não for executado, qualquer ser humano é levado para o outro lado do resultado, pois não teve a oportunidade de “ver” ele mesmo com o olhar da inteligência a verdade em que acredita. Assim sendo, fica a mercê de novas narrativas, muitas vezes sem qualquer fundamento na realidade em que vivemos. Este trabalho do intelecto, de mergulhar no raciocínio, era chamado pelos filósofos como a busca da verdade utilizando a luz natural da razão, onde este processo de intelecção ocorre e há como que uma iluminação interna na mente daquele que realiza o processo. No caso de não se fazer o raciocínio, fica armazenado apenas uma informação que nunca saberei se é verdade ou não, fazendo com que se mude de ideia facilmente sem qualquer esforço, bastando alguém lhe propor nova perspectiva.
Fica mais uma vez evidente que o processo educacional é individual, exigindo que haja a experiência da verdade que é propiciada pelo mestre educador. A dificuldade que identificamos é que como a pedagogia atual não consegue falar de espírito, não há como conduzir de forma filosófica correta um sistema educacional que busque o crescimento do estudante. Apenas se conduz os alunos para informações decoradas, as quais são mudadas dia após dia. Inclusive sem o menor compromisso com a lógica da inteligência. O resultado disto observamos na sociedade atual, como por exemplo: as negações feitas sobre a estrutura biológica natural do ser humano, afirmando que ele não é homem ou mulher; ou que toda a estrutura moral que faz deste ser humano um ser racional deve ser refeita porque a sociedade está exigindo; ou que nós devemos esquecer os conhecimentos e fixar apenas em nossas habilidades em prol do trabalho social; ou que temos que obedecer a um processo unificado de educação e ensino que nos levará ao crescimento econômico acima de qualquer coisa.
Podemos agora verificar que a inteligência é aquela faculdade da alma humana a qual vê realmente a essência abstrata do homem, a essência abstrata do belo, a essência abstrata do bem. Estas essências não podem ser desenhadas ou construídas fora da inteligência, mas são entidades totalmente desprovidas de características materiais, tendo, entretanto, um substrato que está no intelecto, dentro da “psiquê” do ser humano, totalmente imaterial. Caberia agora aprofundar o tema em outro artigo e falar do que seja a luz sobrenatural da graça que atua também na inteligência e faz parte da espiritualidade humana.
Claudio Titericz, coronel da Reserva do Exército Brasileiro, é bacharel, mestre e doutor em Ciências Militares e bacharel em Teologia; estudante permanente de Filosofia da Educação e ex-integrante do Ministério da Educação. É um dos fundadores do Instituto de Biopolítica Zenith e autor do livro “O Problema da Educação Brasileira”.