Assim como o restante do mundo, o Brasil vem passando por momento delicado decorrente dos efeitos da Covid-19 na saúde e economia. A pandemia elevou de forma significativa os gastos públicos e reduziu as receitas do governo, tendo como consequência o forte crescimento da relação dívida/PIB, que deve terminar o ano entre 95% e 100%.
O crescimento da relação dívida/PIB era esperado e vem ocorrendo nos mais diversos países. O problema é que o Brasil fechou 2019 com uma relação já elevada, em torno de 76%, ou seja, já entramos na crise da Covid-19 em situação fiscal frágil. O que mais preocupa, no entanto, é a falta de ação do governo federal em tocar uma agenda de reformas que proporcione um equilíbrio fiscal no longo prazo e que acelere a produtividade do trabalho, questões fundamentais para entender o fraco desempenho econômico do país nos últimos 40 anos.
Em quase dois anos de governo Bolsonaro, tivemos a aprovação da reforma da Previdência, que já estava bem encaminhada pelo governo Temer, enquanto outras medidas importantes ainda não saíram do papel. Os anos iniciais de mandato são os mais favoráveis para reformas que não costumam ser populares, e o atual governo já desperdiçou essa janela de oportunidades. Difícil que ele decida tocar essa agenda nos próximos dois anos.
A única forma de controlar os gastos e a dívida do governo em relação ao PIB de forma sustentável é levar adiante uma agenda de reformas que, entre outras medidas, desvincule parte das receitas de gastos obrigatórios, dando flexibilidade para que a sociedade escolha aqueles que são mais relevantes e viabilize sua redução em itens que não são cruciais para o crescimento econômico, distribuição de renda e bem-estar social.
O primeiro passo para colocar o país nos trilhos do crescimento econômico e melhora do bem-estar social é resolver a questão fiscal. Caso contrário, os movimentos recentes de queda da bolsa de valores, aumento da curva de juros futuros e depreciação cambial tendem a se intensificar já em 2021, trazendo instabilidade econômica, pressionando os juros e a inflação, além de crescimento da dívida em relação ao PIB, receita para um desastre econômico e social em um país com uma taxa de desemprego girando em 14% e com tendência de crescimento conforme as pessoas voltem a buscar emprego com mais afinco, após o fim do auxílio emergencial.
Somente após desatar o nó fiscal o país poderá seguir com outras medidas que melhorem o ambiente de negócios e a produtividade do trabalhador brasileiro, como a reforma tributária, políticas para melhorar o desempenho dos alunos das escolas públicas, leis que forneçam estabilidade e garantia para os investidores e empresários nacionais e estrangeiros, programas para melhorar a distribuição de renda e de apoio para as famílias menos favorecidas, investimentos em infraestrutura, entre outras. Infelizmente, o nosso governo não tem foco nessas questões e os resultados dessa trajetória ficarão ainda mais evidentes em 2021.
Luciano Nakabashi, doutor em Economia, é professor associado da Fearp/USP e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Economia da Fearp/USP.
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