No dia 10 houve mais uma mudança na direção do Supremo Tribunal Federal. Essa renovação acontece a cada dois anos, com escolha de novo presidente e vice-presidente da corte pelos seus pares. A mudança a cada dois anos tem pontos positivos e negativos. Entre os positivos destaca-se a onda de esperança provocada pelos planos da nova direção; entre os negativos, a quebra de continuidade na pauta de julgamento e na forma de relacionamento com os demais poderes do Estado e com a sociedade.
Essa mudança de direção a cada dois anos é uma das características da nossa suprema corte, não muito comum nos demais países. Nos Estados Unidos, por exemplo, fonte de inspiração da nossa república, o juiz-chefe da Suprema Corte é escolhido pelo presidente da república, para cargo vitalício. O atual está na chefia e administração dos tribunais federais desde 2005, certamente também com pontos positivos e negativos. Modelos e regimes diferentes, com desempenho e sucesso sempre dependentes da atuação dos componentes do tribunal.
O novo presidente do Supremo é o ministro Luiz Fux, que será auxiliado pela vice-presidente Rosa Weber. O discurso do novo presidente foi o momento culminante da cerimônia de posse, uma peça memorável, 34 laudas bem escritas, passando pela poesia, filosofia, objetivos institucionais, retrospectiva, desafios, planos de ação e agradecimentos emocionados, na presença dos presidentes da República, do Senado e da Câmara Federal, além de outras autoridades, juristas, advogados e populares.
A nova gestão, envolvendo o Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional de Justiça (órgão administrativo), prometeu cinco eixos de atuação: 1. proteção dos direitos humanos e do meio ambiente; 2. a garantia da segurança jurídica conducente à otimização do ambiente de negócios jurídicos no Brasil; 3. combate à corrupção, ao crime organizado e à lavagem de dinheiro; 4. incentivo ao acesso à Justiça digital, e 5. fortalecimento da vocação constitucional do Supremo Tribunal Federal.
O plano de gestão assim resumido, sem qualquer intenção de desmerecimento, não traz grandes novidades em relação aos anteriores e certamente não encontra opositores explícitos entre autoridades, juristas e cidadãos, pelos propósitos e aprimoramentos anunciados. Entretanto, não enfrenta explicitamente os problemas estruturais do nosso sistema judicial, estando longe de realizar ou mesmo buscar as transformações de que o Poder Judiciário brasileiro necessita com muita urgência.
Excluindo setores assentados em zonas de conforto, que não querem desburocratização em nosso sistema judicial, parece já haver um consenso de que a nossa sociedade está doentiamente dependente do Judiciário (com estoque perto de 55 milhões de processos), como já alertou o ministro Gilmar Mendes. Da mesma forma, há um consenso de que nossa corte suprema destoa das equivalentes no mundo civilizado, pelo inacreditável acervo de processos, como já falou o próprio ministro Luiz Fux, agora presidente.
É fato incontestável a exagerada competência processual originária e recursal do Supremo. Basta mencionar o brutal estoque de quase 35 mil processos e o julgamento de 3,5 mil processos em um ano, volume incompatível para um tribunal de 11 ministros, num país de 210 milhões de habitantes, com elevadíssimo índice de judicialização, que precisa decidir centenas de questões nacionais urgentes, constitucionalidade de leis e atos normativos, além de conflitos políticos candentes.
Esta exagerada competência decorre do amplo poder concedido ao Supremo para decidir todas as questões constitucionais, em todos os tipos de processos. Como temos uma Constituição extensa, regulando quase toda a vida nacional, o Supremo acaba recebendo milhares de processos subjetivos, questões particulares, que deveriam ser resolvidas nas instâncias inferiores. Uma suprema corte não pode perder seu precioso tempo com questões menores, em detrimento das questões nacionais urgentes.
O ministro Roberto Barroso, inspirado no modelo da Suprema Corte americana, até já propôs a limitação de julgamentos (120 ao ano, por exemplo), deixando a critério da corte a escolha de processos significativos, questões nacionais objetivas (com automático arquivamento dos demais), para solução desse grave problema. A ideia precisa ser aprimorada e incentivada, pois está no caminho certo, o da substancial redução de processos no Supremo e formação de jurisprudência constitucional com muito mais rapidez.
A essa primeira desconformidade, soma-se o exagero das quatro instâncias de julgamento, inaugurada com a criação do STJ, em 1988. Esse importante tribunal, terceira instância de julgamento, pensado para diminuir o trabalho do Supremo, acabou complicando mais. O novo tribunal, o STJ, recebeu competência para julgar somente questões relacionadas às leis comuns, mantendo-se a competência do Supremo para todas as questões relacionadas com a Constituição, em todos os processos.
Essa divisão de poderes é insólita. As questões do processo são cindidas, o STJ decide as questões de lei comum e, ainda assim, o mesmo processo pode ir ao Supremo para se decidir questões constitucionais alegadas, que podem até modificar a decisão do STJ. Essa competência restrita do STJ, que não ocorre nas instâncias inferiores (onde o julgamento considera todas as normas, leis e constituições, resolvendo totalmente o processo), confirmou, na prática, o que tem sido chamado um sistema de quatro instâncias: uma estrutura pesada, verticalizada, farta de recursos processuais, que faz os processos demorarem anos, quando não décadas.
Essa demora das quatro instâncias é sentida e muito criticada nos processos criminais, especialmente com a aplicação do famigerado princípio da inocência até o trânsito em julgado na última instância, novamente em vigor no nosso sistema judicial, permitindo que os processos criminais sigam com recursos até o Supremo para, somente depois do último julgamento, iniciar-se o cumprimento da pena, causando anos de demora, aumentando a possibilidade de prescrição do crime, esquecimento e impunidade.
Um terceiro problema estrutural é a divisão do Supremo em duas turmas de cinco ministros, feita para enfrentar o monstruoso número de recursos de processos subjetivos. A divisão é criticável, pois turma não é plenário, único órgão que representa efetivamente o Supremo, conforme define a Constituição. A divisão gerou diferenças de entendimentos, injustiças comparativas e até jurisprudência setorial, exigindo a permissão de novo recurso ao plenário – mais atraso, mais processo e mais burocracia.
Por último, o crescente poder dos ministros para decisões monocráticas, que tem causado acirramentos com os demais poderes políticos (Legislativo e Executivo), grave insegurança jurídica e críticas fundadas de toda a sociedade. É necessária a concessão de poder cautelar ao ministro relator para decisões urgentes; entretanto, a decisão deve ser submetida ao colegiado em prazo curto e certo, evitando a manutenção de um poder pessoal afrontoso ao próprio plenário – onde as diversas visões são compensadas e pacificadas – e contrário aos princípios republicanos.
O Supremo foi colocado nessa situação de crescente poder por razões históricas e, especialmente, pelo processo político de democratização realizado pela Constituição de 1988. A mesma Constituição, entretanto, impõe expressamente a todos os entes públicos obrigação de eficiência e, ao Poder Judiciário em especial, o combate à demora processual (princípio da razoável duração dos processos). O Supremo tem de ser o órgão exemplar na realização dessas determinações constitucionais.
O Poder Judiciário brasileiro, pela sua formatação unitária e centralizada, imposta pela Constituição Federal, é excessivamente dependente de decisões nacionais objetivas do Supremo. A demora de anos para formação de jurisprudência nacional segura é mal que contamina todo o sistema judicial e dificulta a busca de rápida pacificação social. O Supremo, nossa instituição jurídica máxima, tem obrigação histórica de apresentar soluções estruturais, especialmente quando envolve a sua área de atuação.
Por outro lado, a monumental máquina do Poder Judiciário, funcionando em quatro instâncias – uma das mais dispendiosas do mundo civilizado como proporção do PIB, mesmo assim ineficiente quanto à demora processual – exige a manutenção de grandes estruturas paralelas (Procuradorias, Advocacias, Ministérios Públicos, polícias e assessorias) que agregam proporcionais custos e despesas ao sistema judicial, agravando fortemente o chamado “custo Brasil” e a eficiência da produção nacional.
Nesse estado de desajustes estruturais, só resta um caminho: uma boa reforma no sistema judicial brasileiro. Assim, a expectativa é de que a nova direção do Supremo convença seus pares a encaminhar ao parlamento uma nova formatação para o Judiciário, com as seguintes diretrizes: a) conclusão de todos os processos subjetivos na terceira instância, transferindo mais poder ao STJ; b) reservar ao Supremo apenas o julgamento de questões nacionais fundamentais, objetivas, por meio do controle concentrado de constitucionalidade de leis, normas e jurisprudências dos tribunais superiores; c) eliminação do julgamento por turmas; e d) regulação detalhada dos poderes individuais dos ministros para os casos excepcionais de decisão monocrática urgente. Somente com estas mudanças o Judiciário poderá resolver o seu histórico problema de ineficiência sistêmica, permitindo conclusão mais rápida dos processos, jurisprudência constitucional estabilizadora em tempo razoável, segurança jurídica e pacificação social.
José Jácomo Gimenes é juiz federal e professor aposentado do Departamento de Direito Privado e Processual da Universidade Estadual de Maringá.
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