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Nós já vimos esse filme. Nos últimos dias, o cerco a Bolsonaro se fecha em três frentes: a venda dos presentes que recebeu enquanto chefe de Estado, a suposta contratação do hacker para as eleições e o pedido para espalhar supostas fake news. Assuma que ele venha a ser preso por uma dessas acusações. O que esperar de mais um ex-presidente líder popular encarcerado pelo STF?
Vamos relembrar o que aconteceu com o primeiro, Lula. A grande mídia passou dois anos novelizando um gigantesco esquema de corrupção, que quase arruinou nossa maior estatal. Dezenas de políticos e executivos foram presos, grandes empresas foram quebradas para forçar delações, 4,4 milhões de empregos foram exterminados e, no fim, o judiciário brasileiro escolheu o mais fraco dos casos contra Lula – o caso do triplex que foi, sem nunca ter sido – para condenar um ex-presidente líder popular.
Ninguém me convence que isso não foi proposital. O objetivo era mostrar que o sistema pode tudo. Que todos os presidentes da República agora tinham que obedecer ao judiciário.
O sistema pode soltar uma alcateia de lobos que saqueou a Petrobrás ao mesmo tempo que prende um ex-presidente que representa ao menos 30% da população por espalhar críticas políticas?
Então, depois de um longo massacre de imagem, Lula foi preso. Ficou preso por menos de dois anos. Com as progressivas afrontas retóricas de Bolsonaro ao STF, este resolveu, do dia para a noite, que a vara onde Lula foi julgado sempre esteve errada. E todas as sentenças contra Lula foram anuladas. Ninguém me convence de que isso não foi para mostrar que o sistema pode tudo.
Vieram as eleições e Lula estava perdoado. A mesma mídia que o pintara 4 anos antes como o maior gângster de todos os tempos, agora fazia campanha diária para ele voltar à presidência. Bolsonaro foi um mau menino. Não fez nada contra eles, mas falou muitas coisas feias sobre eles. Precisava de uma lição. Então, no segundo turno, ficou praticamente sem inserções de TV. Não podia acusar Lula de corrupto. Não podia apresentar nem sequer o apoio de um ex-ministro do STF em seu programa. Hoje Lula é presidente pela terceira vez, com um representante das elites paulistas como seu vice que 4 anos antes o chamava de quadrilheiro. Ninguém me convence que isso não foi para mostrar que o sistema pode tudo.
Agora estamos aí. Centenas de pessoas ainda presas sem saber ao certo do que estão sendo acusadas. O grupo “Prerrogativas” sumiu. As velhinhas de Taubaté não têm prerrogativas constitucionais. Não são cidadãs, são “fascistas”. Uma arruaça nas sedes dos 3 poderes permitida pela omissão das forças de segurança é chamada de “tentativa de golpe”, sem que ninguém tenha declarado assumir um dos poderes da República. Ninguém me convence que…
E Bolsonaro? Será preso? Se foi difícil explicar para o povo que uma obra num triplex que não era de Lula o levou para a prisão, como explicar ao povo que um ex-presidente vá preso por vender joias que ganhou de presente? Ou vão prendê-lo por conversar com um hacker do PT no Planalto que prometia ser capaz de provar a insegurança das urnas? Ou ainda vão prendê-lo por pedir para seu grupo político espalhar críticas políticas ao STF e questionar a segurança das urnas eletrônicas? Isso vai dar certo?
Só se for para mostrar, de novo, que o sistema pode tudo. Que pode soltar uma alcateia de lobos que saqueou a Petrobrás ao mesmo tempo que prende um ex-presidente que representa ao menos 30% da população por espalhar críticas políticas ou vender um relógio que ganhou.
Só tem um detalhe aí. Bolsonaro, como Lula, tem base social. O bolsonarismo e os valores que ele representa não vão desaparecer porque expuseram a ganância de Bolsonaro, ou mesmo algum ato de corrupção. Os bolsonaristas, há muito tempo, já sabem que Bolsonaro “não é santo”. Alguns vão fazer uma vigília “Bolsonaro livre” e gritar “Bolsonaro é uma ideia!”. Mas a maioria não vai sair às ruas, vai simplesmente se ressentir, e esperar…
Mas tem um outro porém. Enquanto Lula é um homem do sistema, que aceitou que o sistema pode tudo e só quer limpar sua imagem, o bolsonarismo é uma ideologia antissistema, que quer implodir o STF, o Congresso e toda a Nova República. Como li recentemente por aí, ele é um projeto de poder de tipo revolucionário e conservador, enquanto o petismo é só um projeto de governo. Projeto de governo do sistema financeiro, eu acrescentaria.
Quando Lula saiu da cadeia vitimizado pelo arbítrio do judiciário, ele foi disputar as eleições, e venceu. Se Bolsonaro sair em dois anos da cadeia vitimizado, ele irá disputar eleições? Ele irá apostar no sistema de novo depois te ter recebido essa paga? Mesmo se a extrema-direita tiver ascendido na Europa e América Latina? Mesmo se estivermos em estado de colapso econômico?
Aí meus caros, eu pergunto. O sistema pode realmente tudo? Que sistema sempre pode?
Gustavo Castañon é professor de Filosofia e Psicologia na Universidade Federal de Juiz de Fora. Costuma fazer reflexões diárias sobre política ou filosofia no Twitter e no Facebook.