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O que esperar do agro no Brasil pós enchentes do Sul
| Foto: Wenderson Araujo/Sistema CNA/Senar

O Brasil colheu, no ano passado, a sua maior safra de grãos, atingindo um volume de cerca de 320 milhões de toneladas. No corrente ano, na safra 2023/24, a qual está por encerrar, a expectativa é que esta quantidade produzida tenha uma redução de 6,4%, alcançando um volume de 298 milhões de toneladas. 

Nesse momento, os “ungidos de nossas universidades” creditam grande parte dessa flutuação aos problemas de mudanças climáticas. Em que pesem as dificuldades enfrentadas por diversas regiões do país com relação à seca ou os problemas do excesso de chuva no Rio Grande do Sul, o que os números nos mostram?

As produções de soja e milho representam praticamente 90% da produção nacional de grãos. Com exceção basicamente destes dois cultivos, a maioria dos outros grãos apresentou crescimento no comparativo das duas últimas safras. 

O algodão, por exemplo, com crescimento de 14,6%, colocou o Brasil como maior exportador da commodity no mercado internacional. Arroz, feijão e trigo, produtos essenciais na alimentação do brasileiro, apresentaram crescimento de 5,5%, 7,6% e 10,6%, respectivamente.

No que tange aos cultivos de soja e milho, a escassez hídrica observada nas principais regiões produtoras, prejudicou o desempenho da produtividade, principalmente no Centro-Oeste, Sudeste e estado do Paraná. 

Ao contrário de todas as expectativas, a produção de grãos no estado do Rio Grande do Sul poderá apresentar recuperação de 34,5% positivos, obtendo 37,1 milhões de toneladas, uma marca bem próxima do recorde histórico na safra 2020/21. 

No último levantamento de safra, o Rio Grande do Sul encontra-se entre os três estados maiores produtores, ao lado de Mato Grosso (91,6 milhões de toneladas) e Paraná (38,7 milhões de toneladas). O estado participa com 13% da área plantada, assim como 12,4% da produção total nacional.

Muito se noticiou sobre a oferta de arroz no mercado doméstico, uma vez que o estado do Rio Grande do Sul participava com praticamente 70% da produção nacional. De acordo com os dados, embora as enchentes tenham registrado máximas históricas naquela região, as previsões da produção gaúcha de arroz, na corrente safra, apontam para um leve crescimento de 3,3%, com um volume de 7,2 milhões de toneladas. 

A produção nacional de arroz também sinaliza um aumento da ordem de 5,5%, ou 10,6 milhões de toneladas, principalmente, com variedades adaptadas aos cerrados.

As enchentes, portanto, afetaram muito pouco, em curto prazo, o volume produzido. 

No entanto, a perda de bens de capital, com a destruição de máquinas agrícolas e silos de armazenagem, no médio e longo prazos, pode impactar negativamente a produção futura. Além disso, devemos lembrar também que a infraestrutura de escoamento foi profundamente danificada e requer reparos urgentes. No caso do arroz, quando o excesso de chuva ocorreu, já havia 93% das áreas colhidas, especificamente no período anterior a abril de 2024. Ademais, no comércio internacional, nos últimos anos, o país sempre se mostrou como exportador líquido, não sendo um desafio a oferta interna do produto.

Este diagnóstico produtivo por si só seria suficiente para evitar qualquer tipo de intervenção do governo na economia

A questão não é barrar as importações, mas subsidiá-las, o que traria distorções nos preços, prejudicando os produtores nacionais em favorecimento aos concorrentes estrangeiros. 

Em recente estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), intitulado “Agronegócio e protecionismo: um comparativo internacional”, mostrou-se que menos intervenção representa maior desenvolvimento e crescimento setorial.

De um lado, quanto menores as barreiras tarifárias e não tarifárias nas nossas importações, menor será o preço dos alimentos no mercado doméstico, o que beneficia o consumidor final. De outro, quanto maior a competição externa, maior será a eficiência do produtor nacional.

A indústria esteve protegida com barreiras comerciais por várias décadas e o resultado foi a criação de um setor ineficiente, com baixa competitividade e preços elevados no mercado interno. 

Não podemos cometer erros do passado com o setor agropecuário. A decisão de importar arroz subsidiado foi completamente equivocada e, felizmente, o processo foi interrompido. 

Quanto às perdas no país como um todo, seja pela seca ou pelas enchentes, é importante o governo adotar políticas eficazes para atender aos agricultores mais afetados. 

Embora haja sinalização com aumento dos recursos, para equalizar as taxas de juros no Plano Safra 2024/25, que ficou em R$16,3 bilhões, a maior variação percentual se mostrou no lado da agricultura familiar (22,4%) e a menor no lado empresarial (15,7%). 

Porém, tratando-se de uma inflação média anual de 4%, este crescimento foi em termos reais. Em relação ao último Plano Safra 2023/24, os recursos voltados para financiar o investimento aumentaram em 16,5%, o equivalente a R$107 bilhões, basicamente para atender o médio e o grande produtor rural.

Dado que o agronegócio se trata de um importante setor na economia brasileira, é urgente que haja uma política de Estado para minimizar o impacto das crises, sejam estas localizadas ou mesmo globais. 

É preciso um olhar otimista diante das dificuldades do povo gaúcho. Temos que criar respostas rápidas para atender aos problemas, assim como planejar o futuro para evitar maiores perdas.

Sempre há demanda por mais recursos para as diferentes políticas públicas. Contudo, a qualidade dos gastos é mais importante que a ampliação do orçamento. 

Os recursos são escassos. Devemos avaliar as políticas de crédito, seguro, extensão rural, etc. Sem dados e bases estatísticas, que possam cruzar valores dos desembolsos financeiros com as informações produtivas dos indivíduos, não conseguiremos realizar avaliação de impacto econômico.

O resultado é um só: sai ano e entra ano, e estaremos sempre na demanda por mais recursos para o Plano Safra. Na realidade, precisamos ter mais eficiência nos nossos gastos. 

Política que não tiver o objetivo alcançado deve ser descontinuada. Para a solução dos problemas, novos instrumentos podem ser propostos, mas sempre com avaliação econômica. Caso contrário, o discurso será retórico e populista.

José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho é economista, matemático e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Conteúdo editado por:Aline Menezes
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